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TODO MUNDO É PRIMO DE TODO MUNDO
* novela surreal.
O Major Benedito Pontes (vulgo major Bené) tinha a idade de 35 anos quando decidiu associar-se ao tráfico de armas e à matança profissional no agreste alagoano. Mais precisamente na cidade de Caxambá, uma cidadezinha de porte “médio” encravada numa planície fértil do semi-árido alagoano, próximo à divisa com Pernambuco.
Daí pra frente, tornou-se um dos homens mais ricos do estado de Alagoas, depois de uma trajetória de mil e uma emboscadas, praticadas por jagunços a seu mando, ou por suas próprias mãos, e uma incalculável quantidade de armas traficadas para Pernambuco, Paraíba, Sergipe e Alagoas (fuzis, revólveres, pistolas, escopetas, sub-metralhadoras, silenciadores, munição, etc.)
Mas eu não estou escrevendo esse romance para fazer denúncias ou vinganças literárias.
O meu interesse é, realmente, fazer apenas um registro de alguns fatos que aconteceram na cidade de Caxambá nos tempos de domínio do major Bené, sem qualquer objetivo de fazer vingança literária ou jurídica.
Trabalhei 35 anos na prefeitura de Caxambá, como auxiliar administrativo, balconista de biblioteca e técnico em editoração (nos tempos em que auxiliava os gráficos da prefeitura a editarem o jornalzinho semanal do município).
Sou autodidata e poeta cordelista, também. E vendi muitos cordéis e fiz muitas declamações na feira desse município, que acontece aos domingos, desde a emancipação; (e nas feiras de outros municípios, também; nos arredores.)
E sou um homem de muitas leituras, apesar da condição de autodidata, (modéstia à parte).
E escrevi, também, alguns contos e crônicas de impressionismo cultural para o jornalzinho municipal (opinião de autor).
E sextilhas, quadras, décimas, “galopes de beira-mar”, oitavas, etc.
Meu nome é Saulo Pita.
A cidadezinha de Caxambá tem, atualmente, 58 mil habitantes. É uma cidade pitoresca, mas com muita pistolagem e valentias tragicômicas do machismo ancestral. E é por essas, e outras, que eu gosto de dizer que a paz de Caxambá é uma “paz de cemitério”, como dizia o saudoso poetinha da Vila de Capacaça e adjacências. Então botei-lhe o apelido de “Cemitério Gótico”. E já explico o porquê.
Eis o porquê: a cidade teve, na sua trajetória, dois quilombos. O primeiro foi destruído pelos holandeses (batavos). E o segundo pelos portugas (góticos). Lá pelos idos de 1650 e 1695.
É uma cidade que não cresceu, apesar da idade. Pois sua emancipação aconteceu em 1910, há 120 anos atrás.
(depois da morte de Zumbi, foi criada uma pequena vila no local onde existia os dois referidos quilombos: o primeiro estava sob a liderança de Ganga Zumba.)
* (o terceiro foi liderado por Malunguinho; mas este ficava localizado, em sua maior parte,
na Zona da Mata.)
E é também uma cidade amaldiçoada. Uma vez que, em 1936, o padre Olavo amaldiçoou Caxambá, depois de perder uma eleição para o coronel Denilto, que era tio-avô do major Bené.
Então, em 1937, a cidadezinha foi saqueada pelo bando de Lampião, que cometeu mil e uma atrocidades em todos os pequenos bairros de Caxambá.
A trajetória do major nazistóide terminou em 2013, quando um bando de 50 homens do
“Novo Cangaço”, fortemente armados, invadiu a cidade: 38 homens atacaram a delegacia, enquanto 12 homens, divididos em dois grupos de seis, cada um, assaltavam as pequenas agências do Banco do Brasil e dos Correios.
Por azar, o referido major estava dentro da Delegacia, no exato momento em que os bandidos chegaram. E o major morreu no meio de um intenso tiroteio.
A tese mais provável, em relação a esse fato, é a de que aqueles jagunços estavam a serviço do grande traficante Perobinho (Peró), que dominava o tráfico de maconha e cocaína na parte norte do agreste alagoano (setentrional).
É possível, e tudo indica, provavelmente, que essa vingança de Perobinho aconteceu porque, num certo dia, há uns dois anos atrás, o major pagou quatro encapuzados pra dar uma surra em Perobinho. Um cacête fuderoso, que quase deixou aleijado o famoso traficante.
Certamente porque Perobinho recusou-se a pagar mensalmente um “tôco” de dez mil reais ao major aristocrata e supersanguinário (o dono do pedaço, o dono do mundo.)
Mas eu nunca fiz oposição selvagem através de confronto direto com o major. Pois a minha oposição foi sempre colocada dentro do campo cultural e ideológico; e não no campo pessoal ou familiar, apesar de eu ser declaradamente lulista, e o major tenha sido candidato a prefeito e deputado pelo Partido do Cristianismo Democrático-Popular (PCDP), um partido visivelmente cooptado pelo neo-liberalismo predatório e por variantes de neofascismo americano ou eurocêntrico.
Mesmo assim, recebi várias ameaças do major e de sua “trupe”. Embora, no nível físico, nunca tenha acontecido comigo algum fato grave. O máximo que me aconteceu foi que um dos pistoleiros da trupe do “dono de Caxambá”, domínio do “major-mor”, me deu uns tapas na cara, durante a greve de 1991. E eu até agradeço pelo major não ter decidido aprontar algum trambolho mais grave contra mim. Como foi o caso de Nivaldo Sindicalista e do escultor Jão de Tiana.
Ambos foram raptados e chicoteados dentro de um pedaço de mata que tinha a fama de ser local de desova de “presuntos” (por encapuzados a mando do major). Esse pedacinho de mata foi apelidado, pelo povão, com o nome zombeteiro de Matinha da Caveira (fica localizada no topo duma ladeira, dentro de um pedaço da mata atlântica).
E o caso do primeiro foi mais grave, pois tacaram nele, também, uns cascudos com um cabo de trinta-e-oito. E o sindicalista, que é meu amigo, ficou meio-lelé, por conta das consequências desses cascudos mortais no cocuruto. Mas se recuperou, e voltou à normalidade, num tempo depois
(não houve traumatismo craniano).
Quando eu digo que sou lulista, não estou dizendo que sou petista. Pois não sou filiado.
Nem vou me filiar.
Nivaldo é filiado e membro do MST e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mucambo.
Jão é anarquista: (anarco-individualista; egotista filosófico). Um supermaconheiro da
Febre du Rato. E adepto de outros alucinógenos (inclusive cogumelos “psilocibes” e garrafadas com jurema).
Eu quase não fumo maconha (é muito raro). Eu pito mesmo é o “pagoga” natureba, o tabaco da zona rural de Arapiraca (fumo-de-rôlo), e beberico umas doses de cana-de-cabeça, com suco de caju ou coca-cola, às vezes, de vez em quando. Ou um vinho “Canônico”. Eventualmente.
Usei alucinógenos poucas vezes, principalmente o cogumelo Psicolibe, por curiosidade mística ou pra catalisar a criatividade artística.
Mas eu também cataliso com a caninha-de-cabeça, o vinho ou o fumo brabo, “de-rôlo”. Mas devagar. Ruminando devagarinho.
Porém... a bronca maior era mesmo o harém do major, e o seu uísque escocês, ou o vinho espanhol de duzentos reais a garrafa. E os seus inúmeros bastardos.
E as suas inúmeras putinhas de luxo. E as brigas terríveis com a digníssima esposa, que levou surras homéricas, e acabou pedindo o divórcio.
Até hoje eu não consegui encontrar uma explicação para o fato de que uma fêmea aceite ter um “caso” com um machão horrível e violento como esse major coiteiro. A única explicação que eu consegui encontrar, até agora, foi o dinheiro e os bens. No entanto, pode ser que esses casos não estejam relacionados apenas à riqueza; mas também ao “cinderelismo” egótico e cooptado.
O povo de Caxambá é, na sua maioria, com raras e honrosas exceções, um povo corrompido e conformista. Um povo covarde, egótico e interesseiro que, na maioria dos casos, vende a alma por migalhas. Um zé-povinho acovardado, e afundado na terrível ilusão de enriquecer a curto prazo, e na cooptação ideológica maldisfarçada, como a maior parte do povo brasileiro. Cuja valentia é apenas uma falsa bravura de briguinhas ridículas em barzinhos e quiosques.
A reforma agrária é um assunto que não tem futuro em Caxambá. Pois a maioria das propriedades rurais dessa cidade são pequenas ou médias, que não ultrapassam os 500 hectares. Mesmo assim, alguns militantes do MST tentaram algumas ações na zona rural do município, mas foram sempre barrados pelos jagunços do grupo do major. E levaram algumas pisas de milicianos desse Escritório do Crime, desse grupo de extermínio.
Atualmente, suas ações restringem-se à militância administrativa e jurídica no Sindicato dos Trabalhadores Rurais e no Sindicato dos Servidores Municipais.
Muita gente me perguntava porque o major Bené não matou Peró. No entanto, a explicação é simples: o grande traficante do agreste alagoano estava podre de rico. E dando-se ao luxo de exportar maconha e cocaína pra Maceió, João pessoa e Recife. Talvez estivesse tão rico quanto o major. E podia pagar o melhor advogado do Brasil. Era, portanto, uma forte concorrência ao poder do major em todo o semi-árido alagoano. Mas nunca pronunciou-se a favor da legalização das drogas. E o motivo disso é óbvio: a proibição eleva o preço de todas as substâncias ilegais. Além do mais, o Peró poderia levantar provas do tráfico de armas pelo referido grupo de extermínio.
Outro inimigo político, do major, era o famoso sanfoneiro Neto dos Oito (um especialista das sanfonas pequenas). Que era, também, percussionista (zabumbeiro): um mestre do pandeiro, do tantan e do atabaque.
Mas o Neto também estava rico, e com muita fama, e muito prestígio em todo o Nordeste. E só os “bombados” tinham coragem e potencial para enfrentar o major.
A preferida do harém do major era Dadinha Teco-Teco, uma mulata muito bonita e formosa, gostosíssima, e que caiu na profissão de garota-de-programa: uma putinha de luxo que o major costumava levar, com frequência, para a sua casa de praia da Ponta Verde, em Maceió
(uma mansão, um grande “bangalô”, típico da aristocracia agrestina.).
Outra que ganhou fama na cidade foi Luzia Dourado, conhecida como Lu Biliu.
Outro lance estrambólico das terras de Caxambá foi a hegemonia do pentecostalismo nessa cidade, o qual cresceu a partir da zona rural: dos sítios, vilas e distritos. E invadiu o centro da cidadezinha com uma rapidez impressionante. E, numa certa altura, já tinha mais adeptos do que a Renovação Carismática: lá pelos idos de 2005 e 2006.
Foi uma grande infestação de neopentecostais. Uma proliferação desenfreada de almas sebosas do “Pseudo-Espírito-Santo”.
Eu tenho simpatias pela Teologia da Libertação, mas nunca pensei em me “fardar”, e tive muitos conflitos com os pentecostais do agreste alagoano, pernambucano e paraibano. E tenho plena consciência sobre quem é o falso cristianismo; e quem é o verdadeiro.
São muitos os “drogonautas” e viciados de Caxambá, apesar de esta ser uma típica cidade interiorana.
Porém o crack invadiu também as zonas de pobreza e miséria nas cidadezinhas do interior do Brasil. E eram muitos os alcoólatras nos semi-áridos alagoano, paraibano e pernambucano;
(alguns morreram jovens).
Entre os maconheiros, alguns tornaram-se “semi-loucos” (eram os “doidinhos” da região; que ficaram “pirados” por conta de tantos beques e murrões de “supervenenos” que fumaram.)
Mas os fazendeiros, e grandes lojistas, cheiram coca, e bebem uísque escocês, enquanto os miseráveis e flagelados fumam crack ou bebem uma cachaça industrializada mortal. Uma pinga horrível; impregnada com uma química mortífera. (Uma delas, a mundiça agrestina apelidou de Mata Véio.)
Mas eu sempre acreditei na proposta de “redução de danos”, e nunca persegui usuários de qualquer troço. Sempre respeitei a liberdade individual, mas sem dar apôio a pendores autodestrutivos ou “suicídios brancos”. Porém os guardas municipais costumam agredir, com frequência, e também fazerem “rapas” ou tentarem extorquir viciados, ou prisões prisões arbitrárias; (eles foram autorizados a portarem armas, por duas leis: uma estadual e outra municipal).
Mais um inimigo político do major: o padeiro Adílio Rego (Adí). Que também era um homem muito rico, e possuía, além de uma padaria grande, um mercadinho e uma fazenda (era fazendeiro também).
O juiz Gerônio Furtado, o Geron, foi também um inimigo político do major. Mas nunca exerceu uma oposição forte, nem sincera. Pois sua posição ideológica era muito parecida com a do major feroz: uma centro-direita qualquer, muito próxima de um esquema neo-liberal; (eram farinha-do-mesmo-saco ideológico). E corriam boatos e fofocas dizendo que esse juiz comia “tôcos” do major (propinas, às vezes, em determinadas ocasiões históricas).
Caxambá teve apenas dois padres “progressistas”: Olavo, protetor dos índios cariris, e Ariel, da Pastoral da Terra. Os outros padres eram “comprados” pela elite do semi-árido alagoano. Como se não bastasse os pastores cooptados e corrompidos pela burguesia agrestina.
Mas o padre Ariel era um cara muito inteligente e corajoso. Tinha a coragem dos antigos profetas indignados com a corrupção em Canaã. E no auge do conflito com o major poderoso, depois de algumas ameaças feitas por pistoleiros do referido Escritório do Crime, o padre Ariel abriu um processo na Defensoria Pública União, em Maceió. Foi inacreditável. Ninguém na cidadezinha queria acreditar.
Mas esse processo deu em nada. Porque o corporativismo militar falou mais alto. E a Polícia Federal tinha interesse em que o grupo do major continuasse a ajudar no sustentáculo do capitalismo predatório na região semi-árida.
A PM dos agrestes setentrional, de Alagoas, e meridional, de Pernambuco, foi sempre submissa ao major Bené. E aos outros militares e matadores da família do major, também; (alguns deles atuaram como sustentáculos da ditadura militar, e fizeram apôio ideológico e político a candidatos fascistóides e neo-liberais em todo o semi-árido alagoano). E a PM, também, sempre prevaricou. Com raras e honrosas exceções, como foi o caso do coronel Télio Dito, de Caruaru. Mas o conflito do coronel com o major foi uma “briguinha de comadres”. Sem maiores consequências.
E aconteceu por conta de um cu-de-boi envolvendo dois pistoleiros do grupo do major, em um cabaré de Caruaru. (eu não lembro o nome desse cabaré).
Eis algumas das fêmeas do harém do major-rei:
- Suzana Buruçu (Suze): trabalhava como caixa num atacadão da construção civil. E tinha fama de mulher liberada e de temperamento agressivo. Era malvista na cidade, e o povo dizia que ela era uma puta clandestina e misteriosa. E que tinha vida dupla.
- Bernadete Sapoti (Berna): uma professora de gramática que também tinha fama de fudedora. Mas era “tolerada” na cidade, por ser uma excelente professora de português.
- Carolina Mossoró (Carol): era bancária, e trabalhava na agência do antigo BANDEPE (que atualmente é SANTANDER). E era casada. E portanto tinha, também, um caso clandestino com o major-urso.
- Dolores do Queijo: uma pequena fazendeira: tem um sítio grande com 125 hectares, onde produz feijão, milho e frutas. E cria galinhas, bodes e bois. Além de administrar uma pequena “fábrica” de queijo coalho, o qual ela vende para os mercadinhos e padarias da região.
Havia outras, mas estas, por enquanto, bastam para os objetivos desta narrativa curta.
(Dadinha já foi citada anteriormente)
Como eu disse no segundo parágrafo, me aposentei como auxiliar administrativo (e chefe-de-setor) da prefeitura de Caxambá. Mas sou, no entanto, técnico agrícola: fiz o curso na Escola Técnica Municipal (ETM). Depois tornei-me autodidata. E trabalhei como biscateiro (pedreiro, eletricista, encanador, mecânico, agricultor, etc); antes de passar no concurso da prefeitura, além de ser vendedor de cordéis e poeta declamador; (não sou repentista, mas arranho a viola sertaneja.)
Sou um homem com estilo-de-vida simples. Muito simples. E nunca tive maiores ganâncias no coração. Sou mesmo desprovido de grandes ambições.
O diretor da Escola Técnica, Alexandro Bulhões, vulgo Xando, era o mais corrompido e subserviente de todos os conformistas cooptados de Caxambá. Um grande mamador das tetas municipais. Um sonso vampiróide. Um incorrigível desviador de verbas públicas. Um xeleléu de deputados, vereadores e pistoleiros. Um fazendeirozinho qualquer, metido a grande burguês, o que ele não era; (nunca foi).
A referida cidadezinha, dos mocambos caxambentos, tinha um delegado e dois “comissários” distritais que atuavam, na prática, como dois “subdelegados”. Um deles auxiliando o controle militar do lado norte. E o outro auxiliando o controle do lado sul. Incluindo distritos, vilas, cooperativas, fazendas, sítios, etc.
Naquela época, no início da década de 70, ainda havia esses “comissariados” distritais, assemelhados a “subdelegacias”, na prática. Atualmente, esses “órgãos”, que eram ligados administrativamente à Secretaria de Segurança Pública (SSP), já não existem, e foram substituídos por diferentes tipos de postos policiais.
Daqui pra frente, vou chamá-los de Comissário 1 e Comissário 2.
O Comissário 2 tinha um horroroso conflito de gerações com um dos seus filhos, que não aguentou as obtusidades do machismo sertanejo, de seu pai, e virou hippie. Caiu nas estradas da América Latina com 23 anos de idade, em 1980; e foi, portanto, um hippie tardio. (Ele era técnico agrícola, mas não exercia a profissão. E sobreviveu até os 23 anos como biscateiro e artesão. Aprendeu música e desenho como autodidata (com apostilas e aulas particulares). Gravou um “compacto” com duas músicas de sua autoria; juntou uns artesanatos, e se mandou “pra nunca mais”, com o seu violão, um pandeiro pequeno e um “alforje” grande. (ficou dez anos sem dar notícias).
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SEGUNDA PARTE
“Quem não aguentar, pode gemer e peidar.” - (já dizia a sabedoria pop agrestina).
Admitamos: trata-se de um “dispautério” inaceitável. Um rococó repetitivo e furibundo. Estapafúrdio. O terecuteco du balacubaco, como dizia o saudoso poetinha da Vila de Papacaça.
E foi aí que a porca torceu o rabo; e a cutia começou a “assubiá”. Quando…
numa noite de neblina, e tédios insones, e chuva fina, muito fria… o galo cantou mais uma vez. Quer dizer: mais uma pistola Ponto-45 com silenciador, outra vez; e os menestréis cantaram: mataram mais um. Eliminaram mais um.
E essa notícia foi anunciada “em primeira mão” pela Rádio Tamborim, que monopolizava as ondas de rádio em todo o município (monopólio de comunicação). E posteriormente a notícia foi detalhada no semanário municipal; (uma notícia que eu ajudei a redigir).
Mataram mais um sindicalista do MST, (e da Pastoral da Terra), na Vila de São Miguel. Quando encapuzados com submetralhadoras, pistolas e silenciadores invadiram um acampamento do MST.
Torturaram e espancaram uns; e mataram um:
o sindicalista Saturnino Mandes, o Satu, da Pastoral da Terra e do MST, que era agricultor e criador de bodes e pôneis. (era também um leigo da Teologia da Libertação que trabalhava com agropecuária e turismo rural).
O padre Ariel era mesmo um homem muito corajoso e desapegado. Um cristão de verdade.
Dou testemunho. Esse padre não tinha medo da morte. (um Homem verdadeiramente cristificado
não deveria temer a morte.)
Eu tenho mais medo da sarjeta do que da morte.
Não foram poucas as vezes que ele enfrentou matadores e coiteiros. E fez sermões classistas em vários púlpítos. Eram “escandalosos” aqueles sermões. (nessas horas, eu sempre lembro de João Batista esculhambando e ameaçando Herodes). Ou o rei Manassés serrando Isaías no meio.
Em pouco tempo, incontáveis fofocas espalhariam esses quiprocós na cidade inteira.
E todos ficavam rapidamente sabendo da última “descarga” do padre Ariel.
(o major-maior nunca ousou tocar num único fio de cabelo desse padre.
Talvez tivesse medo das inevitáveis retaliações de “Javé”.)
Jão, o “anarco”, perto do final da juventude, entrou numa decadência horrível. Quase na sarjeta,
à beira de virar mendigo exótico; e ninguém o levava mais a sério; (se é que alguma vez levaram).
E tinha muita gente acusando-o de estar “doido-de-pedra”, literalmente.
O cara andava fazendo uns discursos funambulescos em praças públicas, nas madrugadas vazias; mas o povão nunca levou a sério o anarquismo “brejeiro” de Jão. E tinha muita gente que o odiava com um rancor profundo e rançoso; e era um pessoal vinculado ao neopentecostalismo, ou assemelhados, ou carismáticos, que tinham muitos vínculos com a mundiça alienada em geral:
o mesmo zé-povinho alienado e conformista d’antanho: em sua maioria, pois eu reconheço que há exceções; (nunca é demais repetir).
Eu já não sabia mais o que fazer com o Jão. Até que uma “quase-vizinha” fez uma denúncia anônima contra ele, acusando-o de associação com o tráfico. E então um grupo de PMs aprontou um “cocó” pra ele. E o resultado foi: três meses no xilindró.
(mas ele dizia que a prisão é preferível à sarjeta).
Pra mim, ele não estava EXATAMENTE “doido-de-pedra”; mas sim estava apenas semi-louco.
No entanto, era uma semi-loucura cheia de momentos em que os instintos descontrolavam-se, e um
semi-caos instalava-se dentro da estrutura mental (transtornos medianos e momentâneos,
mas desmiolados; quase sem-sentido.).
O divórcio do major-maior foi um labafero do Inferno das Quengas.
Um cu-de-boi do Calangutango. (um auge do Bestiário nordestinês)
(e haja picuinhas sanguinolentas e peiticas insuportáveis no harém desse cara:
sarapatés de sangue humano, costelas de tapuias na grelha, cabeças e miôlos no guisado tupiniquim.)
E cauim levemente adocicado. Quentão COM JUREMA. Licor de pitanga. Vodka de sêlo russo. Cachaça tridestilada que não dá ressaca. E uísque picto envelhecido durante 30 anos em barris de Carvalho “iscote”.
(eu também queria)
...
Nunca a Dadinha infernizou tanto. Nunca as fêmeas agrestinas estiveram tão “ouriçadas”.
Nunca os varões sertanejos estiveram tão agitados. Nervosos. Muito nervosos.
O Côco e a Macumba sempre foram aparentados. Muito próximos. Vocês sabem.
E esse parentesco não era diferente em Caxambá.
Talvez a única diferença fosse o nível de repressão a esses dois ritmos musicais da herança Afro,
em todo o agreste alagoano, nas décadas de 60 e 70.
O Comissário 1 tinha preferência para acabar festanças de Côco na porrada. No cacête.
(ele, dois soldados e um cabo. Diziam que o Côco era um tipo de Magia Negra; e baixavam a manivela. A guabiroba.
Chegavam de repente; na surpresa. Às duas da manhã, no Alto do Laticínio; e baixavam o porrête em todo mundo. Machos e fêmeas. Velhos e púberes.
É, meu caro, a vida nunca foi fácil pra ninguém.
Você pensa que o Céu é perto?? O Céu é muito longe daqui: fica na fronteira de Gaza com Israel;
(é muito longe).
O principal executor do grupo era Zeca Bilau. Um galegão alto e forte.
O povo de Caxambá sempre desconfiou seriamente que, em meados da década de 80, esse cara já tinha mais de 50 mortes pesando nas suas costas. Até que um dia foi preso, quando estava a ponto de executar mais uma morte, na cidade de Brejozinho, em Pernambuco. (a polícia já estava investigando, e armou uma arapuca, chegando de surpresa na casa do sujeito que ia ser executado.)
Bilau já estava com uma pistola engatilhada e dirigindo-se para a casa da vítima quando a Polícia Civil o cercou. E deu voz de prisão. (o matador não reagiu. Jogou a pistola no chão imediatamente, e levantou os braços.)
Dessa vez, ele ficou 7 anos preso. E, quando saiu do xilindró, já era um idoso. Ou quase isso.
A agiotagem de Caxambá não é diferente da agiotagem de outros lugares. Mas há também, nessa região, muita dependência dos cofres públicos. (é quântico)
Enfim: são grandes as conchambranças e maracutaias no mundo de quem trabalha com juros… compostos.
E são muitos os “burgueses” endividados e… quase enforcados. Com quase tudo penhorado ou
sob julgamento (sub-júdice).
Eu, hein??
Mas o pior é que sempre existiu uma vinculação entre agiotagem e pistolagem. Com muitos coiteiros atuando como cobradores de dívidas, … com “buldoguinhos”, pistolas ou escopetas. Peixeiras, foices, machadinhas, guabirobas, tacapes.
(altas elaborações estratégicas entre coiteiros e agiotas; fatais, mortais, fuderosas, fodásticas.)
E eu dentro de um caldeirão infernal desses. Sem ter pra onde correr.
(pra qualquer lado que eu me viro, só vejo vampiros, pterossauros, abaporus, carcarás.
Becos sem saída. Areias movediças. Abismos. Locais de desovas de “presuntos”.)
Melquisedec e Eli, dois altíssimos, que tenham piedade do futuro de Caxambá e seus arredores.
Porque eu vejo apenas desgraças e injustiças no rastro dessa cidade.
Flagelados. Tuberculosos. Subnutridos.
Estados vegetativos mentais. (carmas coletivos “insolúveis”.)
Sem contar com os supermicróbios. E as crises cíclicas do capitalismo predatório.
E o patriarcado sertanejo carismático, pentecostal, vampiróide, neo-liberal, totalitário.
Um borogodó das profundezas do Estige. E do Sheol também.
Eu, hein??
Quem me dera tamanho poder. Tamanha discrepância inusitada das “eminências pardas” de antigamente. Das antrolas.
E eu reafirmo que nunca tive partes nisso tudo. Não tenho a menor fatia do bolo dessa “mais-valia”; desse acúmulo de excedentes.
Qualé??
Os raros honestos e éticos, lá de Caxambá e adjacências, eram mesmo raríssimas exceções. E alguns deles, inclusive, foram transformados em “bodes expiatórios”. Alguma subespécie de “Geni”;
que todo mundo vampiriza e esmaga. Sem dó nem piedade. Mandando os escrúpulos para as favas.
(moral burguesa e “ética do capitalismo”)
A sanha predatória do “Homo demens”. Onde cada ego é uma igreja ou um partido.
E cada família, e suas heranças genéticas, são antros de sanguessugas e outros hematófagos.
Genes e memes da “turbamuta” do Terecuteco e do Borogodó.
E eu mergulhado nesses cercos intermináveis. Nessas areias movediças funambulescas. Com lama sugadora até o pescoço.
Eu reconheço que não tenho par neste mundo. Eu não existo. Ou então sou apenas uma energia sutil que materializou-se. Ou um ET sonso. Ou uma “fricção”. Um fogo fátuo.
Depois do assassinato de Bené, a vingança do grupo de extermínio foi verdadeiramente carniceira: quatro mortes num período de dois meses. E mais um espancamento grave de um capoeirista que fazia “avião” para o tráfico de maconha. (ficou tetraplégico)
Esses quatro corpos foram desovados, (enterrados ou jogados “ao-léu”), na Serra da Caveira, que era uma ladeira grande que atravessava vários sítios no distrito de Santa Tereza. Um pequeno foco de mata atlântica na zona rural de Caxambá. Tornou-se um local famoso. Mas sobre o qual ninguém tinha coragem de falar qualquer comentário, por mínimo que fosse.
Era um segredo coletivo. Por conta de estratégias de sobrevivência ou por covardia esperta e egótica.
Em outro microtexto, eu vou dizer os nomes dos que foram assassinados ou espancados, torturados, chicoteados.
Por enquanto, basta apenas registrar o fato.
O crack invadiu a maioria das cidadezinhas do agreste setentrional alagoano.
Seus tentáculos conseguiram chegar até os confins e cafundós do sertão, do
semi-árido, da savana seca, etc.
(é um grande quiprocó fatal. Um horror “purgatorial”.)
Foram muitos os adolescentes destruídos pelo crack nessas cidadezinhas. E a situação piorou com a volta do aumento da concentração de renda e da subnutrição infantil. Num grande rastro de misérias e degradações.
Garotos de 14 ou 15 anos destruídos pelo crack e pela cola… de sapateiros.
Foi o auge de Peró. Nunca entrou tanto dinheiro naquela “boca”. O cara tornou-se o
maior fornecedor das brenhas setentrionais.
Crack, cola-de-sapateiro, maconha, cocaína, cachaça tridestilada, cigarro paraguaio, cogumelos.
A essa altura, já era um dos homens mais ricos do estado de Alagoas.
E eu não estou dizendo que Peró é algum tipo de mártir ou herói da contracultura e da psicodelia. Não era exatamente isso que eu queria dizer.
Pois ele era um bandidinho como outro bandidinho qualquer. E agia como ditador e vampiro
NAS SUAS FAZENDAS E EM OUTRAS ADJACÊNCIAS do agreste véio de Javé e Baal.
E suas incontáveis cabeças de gado e bode. (cogumelos nascendo aos montes na bosta de bois…
e vacas. E até cabras cagando caroços de umbu.)
De um jeito ou de outro, seria redundante. Mas eu não estou aqui pra
fazer a caveira de Peró; nem a de Bené. (nenhum dos dois):
chega de maniqueísmos na minha vida. (cansei)
Quero escrever minha literatura com um mínimo de sossego. Por menor que seja.
E estou reivindicando apenas o seguinte: cuscuz, galinha, manteiga, sorvete, leite, bôlo, queijo, suco e café.
(é o bastante pra mim; por enquanto.)
No início da pandemia, a família de Bené, e seus muitos prevaricadores e velhacos,
(principalmente os guerreiros), caiu no canto das sereias fascistinhas e neo-liberalóides.
E passou também a acreditar que tudo não passava de uma “gripezinha” qualquer.
E até a apoiar os “bolsominions; (como é que esses caras chegaram a esse ponto??)
Como foi que os cromossomos da família Pontes degeneraram para um nível tão alto de decadência em todos os sentidos??
Prevaricação e velhacaria é pouco.
Pois tem muitas outras trombas mais pesadas nessa historieta de terrores.
De heranças genéticas malassombradas.
Após a morte de Bené, foi o coronel Lauro, o Lau, quem substituiu o major-mor no comando do terror. O mesmo do mesmo. O velho método repetido à exaustão:
perseguir comunistas, pretos, fêmeas, homossexuais, mendigos, ciganos, hippies, etc.
Um “big stick” botando pra fuder. Mais uma sanguessuga no tutano dos meus cabelos. Nas raízes.
Mais uma “persona” nazistóide na minha vida.
Afe.
E eu que tanto orei e vigiei. Pois sou um religioso “à esquerda”. Assumido publicamente.
Minha principal referência no campo cristão é ainda o Thomas Munzer.
Nunca esqueçam daquelas chicotadas que o Yeshua deu nos agiotas e prevaricadores.
O lucro na venda de cordéis era pouco; mas era uma boa ajuda. Principalmente em momentos de crises quádruplas, como dizia o saudoso poetinha referenciado nestas páginas.
E durante as vendas, eu podia exercitar a minha vêia declamatória e recitadora.
Arranhando devagarinho um pandeiro. Nas feiras dos sábados e domingos em mil e um agrestes desvairados e ensandecidos.
O meu arrasta-pé desembestado e antropofágico.
A minha metralhadora “Costureira”. Minhas babas. Minhas cascas de feridas.
Gogas. Pantinhos. Mungangas. Rimas. “Caôis”.
Quando eu digo que a maioria desse zé-povinho está afundado na preguiça mental, eu estou falando sério. Não estou exagerando.
Depois de décadas investigando esse fenômeno. E usando quatro métodos: observação, introspecção, participação e leitura.
(é, meu amigo, nunca foi fácil pra ninguém. Vocês sabem.)
No entanto, não estou querendo generalizar conclusões. Pois sei das exceções e das diferenças na dosagem.
(às vezes, essa “preguiça” mental parece algum tipo de narcolepsia cerebral.)
O caso é muito sério. Muito grave. Sem falar no imediatismo egótico; tão ao gosto “pop” nas searas do inconsciente coletivo tupiniquim.
“Pensar dói. E ler dá sono.” (já dizia o referido poetinha)
Os chefes de setores da prefeitura de Caxambá eram um bando de enrolões. Que ficavam o tempo todo vampirizando os subordinados. Produzindo pouco. Mas dando muitas ordens e decidindo tudo.
Eu nunca quis ser chefe de qualquer setor. Eu estava apenas a fim de uma “sinecura” qualquer para garantir a sobrevivência; e escrever à noite. E declamar e vender cordéis nos sábados e domingos.
A morte de Peró aconteceu um pouco depois da morte do major-maior. Depois de uma sequência de quatro mortes e vários espancamentos. Como vingança da PM de Caxambá e do Estado de Alagoas.
A cidade inteira sabia que, dessa vez, ele não escaparia.
E ele cometeu um grave erro de estratégia. Abrir um confronto direto com um grupo de extermínio.
Seria mais inteligente pagar “tôcos”. E empurrar com a barriga. Pelo menos até onde fosse possível.
Mesmo com todas as provas de tráfico de armas que Peró tinha, e poderia usar contra Bené, ou o coronel Lauro (sêo Lau).
* o major-mor vendeu muitas armas para o grupo de Peró.
Nos tempos do AI-5, (68 e Copa de 70), foram muitas as torturas e mortes em Caxambá
e seus arredores.
Como sempre. Mais do mesmo.
E a família Pontes botou pra quebrar mais uma vez.
(os furibundos xátrias do sertão e do agreste manchando de sangue as calçadas, novamente,
de novo. E pendurando tripas nos postes.)
O Horror. A Bestialidade fatal de neandertais canibalescos, ou alguns hominídeos aparentados.
(todos os seus parentes; mas principalmente o “Homo demens”.)
A mestiçagem na família Pontes, desde o final do século 19, acontece entre quatro etnias:
romana, gótica, xucuru e bangala.
Com uma predominância itálica. Mas com bastante influência xucuru e bangala.
Misturas e misturas nos DNAs dessa família funambulesca.
Muita mistureba genética. Muita.
E tem até uma vêia artística nessa família. Por mais incrível que pareça.
(poetas, músicos, dramaturgos, desenhistas, etc:
o telengutengo da Perna Cabiluda.)
Seria redundante dizer que esses artistas eram mal-vistos e discriminados dentro da família Pontes.
Os andróginos foram sempre muito perseguidos no agreste alagoano;
(e eu não precisaria repetir isso.)
Um lugar de muito machismo e de muitas sanguessugas.
(morcegos hematófagos e pixilingas endiabradas.)
* eu não preciso detalhar as perseguições e humilhações que os homossexuais sofriam e sofrem nesse lugarzinho degenerado.
E foram vários os artistas da família Pontes que sofreram discriminações e preconceitos dentro da própria família.
O padeiro Adílio era podre de rico. (mais um)
Pois, além da padaria, era também dono de duas fazendas, uma pizzaria e um mercadinho.
Nas duas fazendas, ele plantava trigo, milho, fava e feijão andu. E era criador de bodes, vacas, galinhas e cavalos frísios pequenos. Pois ele investiu também no turismo rural. E tinha dois pequenos condomínios e lanchonetes em cada fazenda; (café-da-manhã, almoço e janta).
O juiz Gerônio era a criatura mais corrompida entre todos os que eu conheci pessoalmente.
Esse cara enricou através da venda de sentenças. Era assim que ele abocanhava uma parte da
“mais-valia” em geral, e dos excedentes em particular.
Mas eram muito amigos, esses dois. (negócios à parte)
O primeiro divórcio de Bené foi o maior tendéu que se possa imaginar.
Nunca vi tanta fofoca e tanta difamação dentro daquela cidadezinha ex-comungada.
Carolina Mossoró, uma das preferidas do harém de Bené, mandou soltar uma dúzia de fogos.
E fez um despacho pesado, embaixo da ponte do riacho Mororó.
A segunda investida da Polícia Federal em Caxambá foi mais um engodo. Prenderam um dos matadores do grupo do grande major; e esse cara havia matado um grande fazendeiro de uma família com muitos advogados e policiais civis; mas em pouco tempo esse pistoleiro conseguiu um
habeas-corpus e uma prisão domiciliar “de mentirinha”.
O sertão também tem muitas “cegonhas” e intermediários. Principalmente os “aviãozinhos” das cidades brejeiras; e das plantações irrigadas.
Numa cidade com 60.000 habitantes, o negócio não é muito diferente das
cidades grandes e de porte médio.
A eleição de 1986, depois da morte de Tancredo, foi uma das mais violentas eleições de toda a história do agreste setentrional alagoano.
Aconteceram duas mortes, vários espancamentos e algumas tentativas de homicídio fracassadas, mas que deixaram feridos.
Porém o grande major perdeu essa eleição para os pessebistas, pedetistas e lulistas, que se juntaram em torno de uma candidata que era advogada e funcionária do Tribunal de Justiça: Dona Rosicleide.
A volta do filho neo-hippie do Comissário 2 foi um dia histórico em Caxambá; (depois de dez anos perambulando por balneários e praias do Brasil e da América latina). Pois o cara voltou bombado, já que o seu primeiro CD vendeu bem; (emplacou um hit, com uma parceria na voz de Zito Perangue, um famoso cantor de música cubana, carimbó e reggae). E ele, o jovem estradeiro, também trabalhava com um artesanato que, por sinal, era muito apreciado pelas mulheres.
(brincos, pulseiras, colares, anéis)
Mas esse jovem “hippie” não aguentou muito tempo na casa de seus pais: o conservadorismo é muito grande em Caxambá. E os seus pais continuavam odiando maconheiros e “ciganos”.
A comunidade esotérica do distrito de Águas Claras foi fundada em 1978, logo após a famosa distensão lenta e gradual, do presidente “Gás”.
Era, na verdade, uma cooperativa agropecuária criada em torno de uma vila, na qual havia uma igrejinha “gnóstica”.
Seus membros cultivavam uma variante de cristianismo gnóstico e espiritualista, embasado em aspectos místicos do regionalismo nordestino.
Eram muito difamados pelos carismáticos e pentecostais, depois que começou a hegemonia destes no referido município.
E havia também a guerrinha cultural entre regionalistas e psicodélicos. Na vêia “orta” da fronteira entre o agreste e o sertão. E esse quiprocó rocambolesco foi mais forte nas décadas de 70 e 80, mas ainda reverbera grandes tempestades circunstanciais.
E haja stress e depressão.
Estimulantes e ansiolíticos. Ou vice-versa.
Armoriais e tradicionalistas contra qualquer tipo de pop-rock.
Aí fudeu.
Pois foi aí que aconteceu a famosa surra que o Coronel Lauro deu em Neto dos Oito.
Começou com vários tapas na cara. E depois esmurrou o Neto.
E deu chutes nas canelas com aquelas botas-de-couro duras e pesadas.
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Zé de Lara
abril - 2021
ALIENAÇÕES
PARENTAIS E PICUINHAS CONTRACULTURAIS
(novela
autoficcional em primeira pessoa)
[primeira parte]
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Depois da aposentadoria e de mais um divórcio, com 60 anos de idade e
35 de contribuição ao INSS, voltei a morar com os meus pais, na fronteira entre
o agreste e o sertão, mais uma vez. Nos cafundós de “Judas” e do
“Bom Ladrão”.
Mas eu não estava agüentando as brigas do casal. Umas brigas horríveis:
tapas na cara, chutes na canela, empurrões, cascudos, beliscões, esculhambações,
ameaças, etc. E a velha mesquinharia egótica de todas as criaturas humanas.
Tava tudo, literalmente, insuportável, dentro daquela casa. E eu não
estava mais suportando morar naquele “casarão” horrível.
Então decidir sair. E fui morar numa comunidade “alternativa” praieira;
no litoral do município de Pontal-de-São-Martinho; numa casinha à beira-mar.
---------------------
A solidão maltrata. Mas implica também em liberdade. E um pouco de paz,
fora das cercas e guerrinhas do amor obsessivo cinderélico. E eu comecei a
gostar de estar sozinho, mais uma vez.
Tomava umas e outras à beira mar de um dos lugares mais bonitos do
mundo. Esquecia a velhice começando, e dava uns mergulhos gostosos; comia peixe
assado e caldinho de marisco. Bôlo de milho e café.
O único grande problema eram os preços; pois tudo era mais caro naquele
lugar de turismo internacional. E havia também as relações de poder, junto com
interesses egóticos, e às vezes o ego humano trazia o risco de estragar tudo,
de repente. Mas isso era driblável, e suportável. Por enquanto.
--------------------
Então chegou, de novo, os tempos de guerra, egoísmo e injúria.
“As andorinhas voltaram, e eu
também voltei”.
E assim, desnorteado e atormentado, novamente, em meio às recentes
estripulias do egotismo e do corporativismo generalizados, eu já nem sabia mais
o que fazer diante de tantos fingimentos, subterfúgios e “dispautérios”
pseudo-alternativos e falsamente desapegados...
num
distritozinho perdido nos confins do pontal mais belo do planeta Gaia. Um cu-de-judas
qualquer.
Então decidi partir, mais uma vez.
Mas antes...
me deixem
fazer algumas pequenas ponderações antecipadas sobre as inúmeras estripulias e
perigos que me aconteceram nesse ano estrambótico, em que fiquei seis meses no
interior e seis meses no litoral.
Eu realmente
não estava raciocinando direito. Mas havia tantos vampiros, sanguessugas e
aves-de-rapina ao meu redor; e estava acontecendo tantos fatos tenebrosos, que
eu já não sabia mais pra onde correr.
O dono do
hotelzinho, em que eu, de vez em quando, ficava hospedado na vila litorânea,
era vampiro. A ESPOSA DELE ERA VAMPIRA. Os moradores eram horríveis
sanguessugas. E os meus parentes e amigos de infância, lá na velha fronteira
entre o agreste e o sertão, eram aves-de-rapina.
Durma-se com
um barulho desses.
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É, meu amigo,
nunca foi fácil.
E havia muitas
outras nuances cadavéricas e perfis malassombrados, rondando o litoral e o
sertão; como sempre. Como Dantes no quartel de Abrantes.
E... como se
não bastasse, ainda tinha, também, toda uma fauna e toda uma flora de carmas
totalitaristas e funambulescos, “rondando ao redor”.
Mas... de uma
hora pra outra, num dia como outro qualquer, de repente acontece o que jamais
foi previsto. E eu me vi numa situação de beco-sem-saída que estou tentando
“retratar” aqui.
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Começa pelos
evangélicos do distrito. Que se tornaram hegemônicos. No começo da “quarentena”,
quando eu já estava cogitando sair, acredito que, mais ou menos, uma faixa 60 a
70 por cento daquela população distrital era constituída de evangélicos (o que
correspondia a algo em torno de 3000 pessoas); e começaram a perseguir e
infernizar todas as diferenças.
Como se não
bastasse, o dono do hotel foi cooptado por neo-liberais e neofascistas; e
abandonou os antigos sonhos alternativos e contraculturais.
Então,
realmente, o caldo começou a esquentar pra cima de maconheiros, homossexuais,
comunistas, rebeldes, ciganos, surfistas, “neorrípes”, etc. Um cerco prolongado
que vinha sendo gestado gradualmente, até chegar na situação funambulesca em
que eu estava enredado naquele momento.
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E pra acabar
de fuder tudo mesmo, os surfistas começaram a se recusarem a usar as máscaras
“anti-virais”. E daí pra frente aconteceram muitos conflitos pesados entre os
surfistas, os evangélicos e a polícia, que frequentemente aparecia de surpresa
naquelas bandas. Mas eu ainda acabei ficando uns dois meses além do planejado.
Foram os
piores dois meses de toda a minha trajetória de vida.
E eu
continuava com um bocado de burocracias pra resolver; [a maioria estava
emperrada há séculos: e algumas delas estavam pela metade]. Justamente numa
fase em que começara a escrever outra novela.
A maconha me
ajudava a catalizar a criação artística; mas havia uma grande dificuldade e um
grande perigo ao redor, ou dentro; embora eu já estivesse entrosado com os
“meninos-de-rua” do distrito.
Mas havia
outras almas sebosas na minha rotina “distrital”.
****************************
O dono do
hotel, do restaurante e das “casinhas”, por exemplo; que havia abandonado suas
antigas pretensões “alternativas” ou “contraculturais”; e tornara-se um
burguesinho qualquer, agindo como um empresário vampiresco; aumentando o valor
do aluguel e das comidas do restaurante. Sonegando impostos e vampirizando todo
mundo que se dispusesse a ficar um feriadão no hotel, ou um mês numa casinha.
Inclusive
bandeou-se politicamente pra o lado do neofascismo e do neoliberalismo. O que
me deixou bastante escandalizado e magoado; com um rancorzinho classista
formigando no tutano da medula e do cerebelo.
*********************************
... às vezes o “pobrema” era com
os meninos de rua [eram uns cinco ou seis]. Que estavam cada vez mais loucos, a
cada dia que passava, com tanta cola e tanta maconha que cheiravam e fumavam.
Eu já nem tava mais dando comida pra eles. Porque, toda vez que eu dava
qualquer tipo de comida, eles iam imediatamente tentar vender pra comprar cola
ou maconha.
E tinha
aqueles momentos imprevisíveis em que algum deles ficava extremamente
agressivo. Um deles, inclusive, chegou a apontar uma peixeira pequena pra mim,
num certo dia; e num outro dia soltou o cachorro dele em cima de mim. Talvez
tivesse 15 anos, no máximo, esse minino.
Enfim: eu
estava no meio de um “fogo cruzado” de um “tiroteio” em beco escuro, mais uma
vez. E poderia ser alvejado, ou furado, por qualquer tipo de alma sebosa
[bandidinho, evangélico, burguês, pistoleiro, individualista, noiado, milico
cooptado, etc, etc.]
... é bronca... pesada, muito
pesada; sai de perto enquanto é tempo.
Pois o caso
era muito mais grave do que todo mundo tava pensando.
**************************************
No centro da
cidadezinha litorânea, que estava, naquele momento, com uns oitenta mil
habitantes, e tinha sete distritos e muitas vilas, havia um comércio pujante e cheio de vida
financeira. Mas a mentalidade desse povo estava afundada em estupidez,
imediatismo egotista, preguiça mental, visão estreita, valentia infantiloide,
cooptação sorrateira, exercício de poder vampiresco, etc, etc.
E eu tentei,
de várias maneiras, evitar confrontos diretos com esse povo estúpido, como
estratégia de sobrevivência; mas alguns confrontos foram inevitáveis. Até
porque alguns desses tipos tinham temperamento agressivo. E alguns deles
fizeram ataques “preventivos” contra mim.
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No início da
“supervirose”, pouca gente estava usando máscara. E ninguém estava levando a
sério. Mas então começaram a acontecer alguns casos graves, e que as famílias
escondiam e “entocavam”. Quando então começaram a acontecer, também, algumas
mortes. E aí todo mundo começou a usar os diferentes tipos de máscaras.
Na serra fria
onde nasci, um brejo serrano, no agreste, a situação foi pior; pois o frio
potencializa ainda mais o supervírus. E a quantidade de mortes foi maior.
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Eu acredito
que fiquei assintomático. Principalmente por conta de um chá anti-viral que eu
mesmo preparei, logo que saíram as primeiras notícias sobre o início da
pandemia. Era assim que eu fazia esse chá: gengibre, babosa, alho e limão:
passa tudo no liquidificador, e depois ferve.
Fiquei tomando
o dito cujo todos os dias; duas vezes por dia, até o momento em que o
supervírus começou a dar sinais de que estava recuando; (mas aí já havia
passado seis meses).
***************************************
E o inferninho
continuava: eu estava sendo atacado por todos os lados: pelos leninistas, pelos
anarquistas, os centristas também, os cristãos, as feministas, os maoístas, os
neo-liberais, os neofascistas, os viciados, os milicos, etc, etc.
Duma hora pra
outra, algo terrível aconteceria.
Se não fosse a
morte, ou a prisão, ou a tortura, poderia ser um espancamento grave, pra me
deixar aleijado.
Virei alguma
subespécie de “geni”, ou de bode “expiatório” de todo mundo.
Fudeu. Agora arrombou
tudo mesmo.
******************************
Decidi então
comprar um “buldoguinho”, uma machadinha e duas peixeiras. E entoquei os quatro
dentro da casinha no meio da mata. Dentro da natureza profunda onde eu estava
morando.
E ainda estou espantado
com a facilidade pra conseguir comprar o “buldoguinho”: paguei mil reais nesse
pequeno trabuco e mais doze balas.
Mas eu,
realmente, tinha apenas o objetivo de autodefesa.
Nunca pensei
na menor possibilidade de fazer algum tipo de ataque preventivo. [se
acontecesse algum fato muito grave, e que justificasse uma ação de legítima
defesa.]
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Outro detalhe importante é a história do jornalzinho de ecologia que era publicado mensalmente pelos estudantes de Biologia da faculdade municipal. E era distribuído em todas as vilas e distritos.
Os peixinhos, as marias-farinhas e outros siris pequenos estavam correndo
risco de “extinção” na maioria das praias do Pontal. Os ouriços também estavam
sofrendo muito. E até alguns peixes “maiores” estavam começando a rarear. Principalmente
as saúnas e as anchovas.
Tudo isso fazia com que o jornalzinho de ecologia adquirisse grande
importância.
E os artesãos, os “neo-hippies” e outros artistas do Pontal ajudavam a prefeitura a distribuir esse jornalzinho ecológico.
********************************
[segunda parte]
As garotas-de-programa da área central
do Pontal costumavam aparecer nas praias para batalhar alguma merreca entre os
turistas ricos. Eu contratava os seus serviços eróticos, de uma ou de outra, três
ou quatro vezes por mês. Nos outros dias do mês, eu me aguentava com algumas
punhetinhas e filmes pornôs.
As putinhas mais jovens, bonitinhas e
gostosinhas, cobravam sessenta reais por uma hora, ou cem reais por duas horas
de fodança.
(eu não estava disposto a tentar
conquistar alguma “coroa”, já que as jovens não se interessavam por um cara de
60 anos, um sessentão semi-louco, e com baixo poder aquisitivo.)
Então permaneci sozinho durante os sete
meses que morei na praia da Ponta Velha (não me amancebei). Mas eu tinha experiência
nesse negócio de suportar solidão. Tinha “now-how”.
.....................................................................
Outra bronca
que me enchia muito o saco era a chateação dos “aviões” e “cegonhas” fazendo
“capágens”; dando golpinhos e passando rasteiras.
(e às vezes
até tentando fazer “extorsão” de viciados). Como se não bastassem os meninos-de-rua fazendo pequenos furtos
eventuais. Batendo carteiras e ameaçando com canivetes grandes ou peixeiras
pequenas.
E também os
gerentes. Principalmente os de bares e restaurantes. Com as suas discriminações
classistas incuráveis.
Os vigilantes de
bancos e lotéricas eram um pouco mais maleáveis.
*************************************
Outra fulerage
que estava me perturbando muito, também, nessa fase, eram os conflitos com o
meu editor. Divergências ideológicas, estratégicas e financeiras.
Um buruçu do
imbu no buraco do sargento. Mais um.
Dez por cento
do preço de capa é cosquinha. Há outros “exus” envolvidos na jogada. Mormente neo-tenentistas
sedentos de sangue e poder.
Governanças...
de privadas e fossas de marfim. Bacias de ouro ou prata. Conjunto de vestidos
cravejados de jóias por um milhão de reais.
Sarcófagos
auríferos.
A velha
putaria... de sempre. Merda fóssil, como dizia o saudoso poetinha de Novgorod.
E adjacências.
*************************************
Mas havia
também outros perturbadores e sabotadores. Os técnicos em informática, por
exemplo. E até garçons e taxistas. Sem falar nos vigilantes.
E os
cachorros, e as preparadas, e as cachorras. Cadelas desgovernadas da Pérsia. Ou
Samarcanda.
Quem sabe???
Poderia ser da
Trácia também [é outra possibilidade]: mais uma.
Tipo
Espartaco. Sacou??
Como se fosse
mas não fosse.
Mistérios cabiludos
da Bulgária antiga. Ou da Besta Fera Cubana.
Tá
entendendo??
**********************************
Mais um
sacripanta disfarçado de supercientista: a jovem gerente do bar da Ponta Velha
[e suas discriminações classistas]. Um restaurante para a alta-classe-mérdia
globalizada da Geração Ypsilon... na “beira mar” do pôr-do-sol do pontal do
papafigo da classe altíssima dos garçons supertreinados.
E os taxistas
“experts” em driblar e sugar os turistas vacilãos.
Nunca foi
fácil, viu??
Só tem vampiro
e carrapato.
Desde Pinzon e
Dom Sebastião.
Mas tem também
a jurema sagrada dos caetés e monjolos. Ainda bem.
Porém... isso continua sendo outro papo. Outro departamento.
Outras gavetas.
******************************
O distrito
vizinho, do lado direito, chama-se
Vila do Ponche [e está localizada numa pequena enseada cheia de piscininhas
naturais e arrecifes].
* com as mesmas picuinhas repetitivas, e
monomaníacas fulerágens dos “Hómen Hábilis” de outros distritos, vilas,
cooperativas, etc.
Sem maiores novidades.
Mas atualmente
tornou-se muito perigosa. Muito mesmo. E foram várias notícias de estupros num
local conhecido como Banca dos Hippies, que era um local ermo onde, no final da
década de Sessenta e início de Setenta, os jovens libertários do Recife ainda
faziam “luaus” orgiacos na boquinha da noite. E houve também notícias de
arrastãos, assaltos e mortes.
Aqui mesmo, na
praia dos coqueirinhos, num outro dia, um domingo, aconteceu um grande
arrastão.
No centro da
cidade, houve um assalto com duas mortes de consequência.
********************************
Outro dia
tenso, muito tenso, foi quando aconteceu uma briga grande entre um policial
federal e um campeão de jiu-jitsu. Por causa de uma sirigaita.
O cara das
artes marciais acertou uma pancada no joelho direito do policial, que ficou
mancando, e sacou uma pistola pequena. E engatilhou. E o cara do jiu-jitsu
pegou uma machadinha.
Muita gente
atravessou-se
no meio dos dois, que permaneceram parados...
quando
finalmente chegou a PMPE, e levou os dois pra Delegacia do Centro.
Foi realmente um
momento de muita tensão. Ao pôr-do-sol de um domingo em que aconteceu um
apagão, e ficamos, a vila inteira, sem energia durante o resto da noite.
******************************************
Os surfistas
também brigavam muito, e estavam sempre envolvidos em briguinhas medonhas; com
frequência. Disputando os melhores horários e lugares para surfar ; mas havia
as sirigaitas também.
E quando a PM
chegava, de surpresa, pegava sempre os surfistas sem as máscaras [estes nunca
usavam as máscaras, e a PM sempre queria levar as pranchas. E dava tapas na
cara, e chutes na canela.]
Não levava as
pranchas porque os donos dos hotéis negociavam com a PM; e esta nunca levava as
pranchas.
[muitos
capoeiristas eram também surfistas.]
************************************
Quem dava proteção à boca-de-fumo (do Distrito) era uma jovem policial civil. Que é também advogada (graduada em Direito); mas que, naquela época, não tinha ainda a carteirinha da OAB.
Nunca a conheci; nunca tive com ela o menor contato; pois eu sempre comprava meu fumo a “aviões” ou “cegonhas”, como já disse. E não gosto de conhecer “fornecedores”.
Eu sou apenas um usuário eventual; e nunca gostei de contatos com “fornecedores”.
Mas os viciados das vilas praieiras (propriamente ditos), quase nunca faziam “presenças” pra ninguém. E gostavam de estar sempre pedindo bagas e bitucas... a mim.
São uns escrotinhos muito espertos. Vampirinhos individualistas disfarçados de “neo-hippies” ou artistas aloprados.
* (nunca me associei com o tráfico de nada. De porra nenhuma. Nem de cigarro paraguaio, que é a droga mais safada do mundo.)
Eu estava a fim de curtição e prazeres. Dinheiro é outro papo.
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O casal dono
do hotel, e das casinhas pra alugar, vivia também mergulhado em brigas
horríveis: quase todos os dias. Até que um dia se separaram, e a esposa foi
morar no distrito vizinho do lado esquerdo, chamado Barra dos Cajus.
Mas ela
aparecia com frequência no hotel, com o filho pequeno, e quase sempre acontecia
mais uma briga horrível desse casal funambulesco e
“novo-rico”; desde que o marido
“terceirizou” a gerência geral, e passou a ter um casinho com a jovem gerente
do “condomínio” e do restaurante.
Pense num
labafero terrível: duas vezes por semana, no mínimo.
Um inferninho
dos quengos e das quengas.
Ninguém
conseguia dormir com um tendéu desses.
*************************************
Os
comerciantes majoravam todos os preços naquele distrito do “fim do mundo”. Tudo
era sempre o dobro do preço comum, ou mais.
Nem a
quarentena conseguiu convencê-los a baixar os preços, por mínimo que fosse esse “abaixamento”.
Isso fazia com
que a classe média BAIXA não aguentasse ficar mais de um mês naquela seara
litorânea quase-virgem.
Mas eu
aguentei ficar sete meses. Com o meu fogãozinho de duas bocas. E a minha
cozinha sempre pujante.
[tenho
preguiça de lavar roupa, mas não tenho preguiça pra cozinhar.]
Enfim: aquele
pontal não era lugar para pobres; nem mesmo para a classe media BAIXA; (com uma
diária de 100 reais; e um “prato feito” por 20 reais.]
**************************************
Os
homossexuais da vila tinham uma margem de liberdade razoável, principalmente
quando eram filhotes da pequena burguesia urbana. Mas não era tão simples
assim.
O dono do
hotel, por exemplo, que havia abandonado os seus velhos sonhos de proto-hippie,
tinha um dos filhos que estava revelando traços de homossexualidade aos 13
anos.
E o patriarca
ex-“hippie” estava tratando o menino com picuinhas frequentes.
*********************************
Mais um
brucutu vampiresco: o taxista Zé do Pife. Metido a músico, ele arranha no
pífano e no clarinete. Mas tem um perfil mental de casca-grossa vampiroide. E
gosta de usar a velha tática de fingir que é imbecil pra comer defunto.
(tem um
temperamento bipolar).
**********************************
Uma garçonete
do restaurante do hotel Ponta Velha, uma jovem surfista, cismou de me humilhar,
de vez em quando, em público.
Afinal eu era
apenas uma classe-média-baixa qualquer. E não a propriamente dita burguesia dos
Bálcãs.
Essa foi outra
com quem eu entrei em bate-bocas medonhos.
***********************************
Tem um detalhe
muito importante, do tempo da quarentena, que eu quase esqueço: o nervosismo e
agressividade dentro dos ônibus.
Todo mundo
nervosão.
E eram
frequentes os labaferos e empurrões. E às vezes brigas também.
Num desses
dias, eu tive um bate-boca feio com um pregador evangelista dentro do ônibus da
linha Aurora dos Santos.
E quase que a
gente entra na via dos fatos.
**********************************
Tive também
uma briguinha com um vigilante de uma lotérica.
Dei-lhe um
empurrão, e o joguei em cima da parede que ficava junto do caixa. Ele estava
fazendo manobras no gerenciamento da fila, e atrasou minha entrada duas vezes.
Quando ele
bateu na parede, desequilibrou-se, e quando se reequilibrou, pegou o celular e
começou a tentar ligar pra PM (ele estava trabalhando desarmado).
Mas... na hora
que ele pegou o celular, a turma do deixa-disso imobilizou-o.
E me
imobilizaram também.
E ele não
conseguiu fazer a ligação.
**********************************
Tive outras
briguinhas nas vilas, mas nada que trouxesse maiores riscos, com o dia-a-dia
repetindo os seus frequentes imprevistos.
***************************************
A política na
vila de Barra dos Cajus é a mesma do tempo da guerra entre tupis e tapuias. Com
o asfalto para interligar as vilas que nunca é construído. E eternas estradas
de barro que nunca são asfaltadas; e prefeitos com tornozeleiras eletrônicas. E
filhos do povo cooptados e corrompidos.
O mesmo do
mesmo.
“o Dante no
quartel de Abrante.”
***********************************
Ah, sim: é
preciso repetir os detalhes do chá anti-viral.
É assim:
gengibre, babosa, limão, e alho: passa tudo no liquidificador e ferve durante
15 ou 20 minutos.
Acrescenta-se
mel ou álcool, conforme a preferência pessoal.
*************************************
Havia mais uma
história escabrosa: era aquela do arrendamento de um sítio. Que eu não consegui
arrendar. Por vários motivos, mas principalmente pelo preço. O arrendatário
estava pedindo mil reais mensais pelo aluguel do sítio. E era um cara de
temperamento agressivo. Um casca-grossa e cafuçu fundamentalista do Estige.
Insuportável.
***********************************
E assim, e
assado, continuava a rotina nas vilas de Ponta Velha e Barra dos Cajus.
Quando eu
decidi zarpar mais uma vez.
Vazei.
FUI.
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Zé de Lara - agosto - 2020
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CHOQUE ELÉTRICO
(DETALHES DA INUSITADA TRAJETÓRIA DE LUCAS BATATA,
UM MULTIARTISTA NEURASTÊNICO GENIAL.)
(novela curta ou conto longo:
experimental)
(segunda versão)
novembro - 2018
_____________________________________________________
“Esta é uma obra de ficção;
e qualquer semelhança com a realidade será
mera coincidência.”
__________________________________________________
“Ao vencedor, as batatas.”
(Quincas)
__________________________________________________
Quando aposentaram por invalidez mental o meu grande cumpade Lucas
Vitorino (Luquinha Batata), eu já estava desconfiando que seria uma grande
injustiça, pra não dizer perseguição política.
Pois, aos 58 anos, e 34 de serviço público, estava tendo sintomas de
sete doenças: cinco congênitas e duas adquiridas. E os problemas maiores
aconteciam com a rinite alérgica, congênita, e a queda no sistema imunológico,
uma deficiência crônica adquirida como decorrência “indireta” da
esquistossomose. Mas a psoríase também estava perturbando um bocado (herança
genética da avó materna). E até a azia crônica estava fazendo estripulias
ultimamente... à beira de uma úlcera. Sem falar nas diferentes arboviroses:
estas particularmente ferozes.
Portanto a Junta Médica errou clamorosamente quando diagnosticou
invalidez esquizofrênica para um caso de “neurose de angústia” (ou neurastenia
delirante). Uma estranha neurose, meio alucinada, quase neurastênica, tipo
aquela do Augusto dos Anjos. E também aquela outra história das vozes
interiores e projeções mentais. É, realmente: estranha neurose quase
neurastênica.
Porém...
personalidade “esquizóide” não é exatamente personalidade
“esquizofrênica”. Há um “meio-termo” nessa história que a psiquiatria
tradicional recusou-se sempre a olhar.
Quando raramente olhava, desenvolvia rapidamente um forte pendor para a
deturpação ou para a guerrinha ideológica propriamente dita. Velhas disputas
epistêmicas sanguinárias.
E aquele papo de “vida dupla” era mesmo um papo fulêro de quem não tem
grandes argumentos para defender o que não conhece profundamente, ou tem apenas
um conhecimento superficial. Típico de uma burguesia castradora, vampiresca,
normótica. Emitindo opinião equivocada sobre o que ela não investigou a fundo
nem imparcialmente: ... uma visão estreita; sem amplitude. E cheia de
filtrações ideológicas.
Verdade seja dita.
Daí que, quando a Junta Médica, após cometer dois erros nos exames
laboratoriais, comete também um erro de diagnóstico na parte especificamente
subjetiva-e-existencial, então o “nêgo véio” aqui começa a desconfiar de alguma
tramóia ou maracutaia. Ideológica ou “existencial”. Aí já seria incompetência
mesmo: propriamente dita. Ou perseguição política. Poderia ser também. Entre
outras possibilidades.
Então a Junta Médica acusar Luquinha de “insuficiência no desempenho
administrativo” é mesmo uma grande piada. Tétrica. Uma projeção ridiculamente
suspeita. Um veneno sutil e “indetectável” à primeira vista ... (porém fatal).
Venhamos e convenhamos: tudo isso acontece justamente no momento em que
ele completava exatamente 34 anos de serviço público; e a campanha eleitoral de
2018 estava começando: estranha coincidência; (muito suspeito, pra não dizer
outra “probabilidade”.)
E tem aquele outro lance esquisitão que até hoje ninguém explicou
direito: aquele outro papo troncho das falsificações de faturas e licitações na
Empresa Brasileira de Saúde e Filantropia (EMBRASF): uma “parceria pública e
privada” (PPP) entre o governo federal e a POPCLINIC: uma clínica popular muito
famosa. (um caso tão troncho que nem a Polícia Federal conseguiu resolver).
Por essas e outras, eu continuo acreditando que o meu cumpade Luquinha
Batata era inocente. E fizeram uma fritura ideológica contra ele. Fuderosa.
Escrotíssima. Por causa de apenas 25 por cento da aposentadoria de 4 mil reais.
É foda.
Pois aquele estigma “existencial” era mesmo uma grande injustiça. E
ainda tinha o desconto de 25% no salário após a aposentadoria “especial”. Mas
aqui já estamos no campo específico das disputas político-econômicas, ou
egótico-existenciais, quando é o caso:
sempre muito ferozes.
Mil e um subterfúgios empurrados com barrigas e umbigos. Egolombras e
interesses partidários de todos os tipos e variantes.
A fedentina dos bastidores da EMBRASF; sanguinolentas disputas nas
relações de poder e de produção.
Principalmente quando se tratava do uso de substâncias. Ou seja: do
princípio de prazer, segundo Freud, e da vontade-de-poder, segundo Nietzchje..
Ninguém cheirava. Ninguém fumava. Ninguém bebia. Ninguém dava o cu.
Ninguém mastigava fumo brabo da zona rural de Caruaru e Arapiraca.
E todo mundo sabia que o uso de Luquinha era eventual; e não diário. Sem
falar que o uso era apenas de álcool e maconha, EVENTUALMENTE. (os energéticos
eram mais freqüentes, e a guaraná-do-amazonas também: pra ajudar a suportar a
narcolepsia.)
Tudo isso quer dizer que o quadro geral não caracterizava uma acusação
de esquizofrenia “irreversível” (nem de vício; pois o uso eventual não é
vício). Isto foi uma tatuagem psicológica que a EMBRASF botou: velha
perseguição a certos artistas iconoclastas, e outras “concorrências”
ideológicas ou culturais; e não apenas em Luquinha. Um estigma cruel, como
punição pela coragem de enfrentar a “normose” burguesa em tempos de crise
cíclica do neo-capitalismo “babilônico” e pós-industrial.
Quer dizer: bastava usar “brechas” jurídicas para acusar o
ar-condicionado, o “stress” no balcão da Secretaria, os glóbulos brancos
cronicamente fraquejantes... e as arboviroses da poluição generalizada
recifense. E tava tudo resolvido. Inclusive o desconto de 25% no salário da
aposentadoria “especial”.
Mas o caso era IDEOLÓGICO mesmo. Flagrantemente IDEOLÓGICO.
No entanto, eu não tou nem um pouco a fim de ficar indefinidamente
esmiuçando detalhes escabrosos dos bastidores sórdidos da EMBRASF e da
POPCLINIC.
Eu não sou historiador. Sou apenas um poetinha e pensador autodidata que
fez uma investigação ampla, sincera e aprofundada sobre os meandros da alma humana
atormentada; e da relação entre arte e loucura, especificamente.
Mas não tenho considerações definitivas a fazer.
Não sou psiquiatra.
E então cada um que tire suas próprias conclusões. Já que o caso saiu em
todos os jornais e todas as mídias.
Há muitas informações acumuladas sobre esse caso tétrico.
Não sou eu quem vai ficar repetindo argumentações que a psiquiatria
normótica e reacionária não está nem um pouco a fim de escutar.
***
Mas aquela história de que ele tinha uma arma
era mesmo verdade. Ele tinha um 38 pequeno, doze balas, duas peixeiras e um
cacetete. Porém eu continuo acreditando que ele estava mesmo precisando de um
porte de arma. Afinal, eram diferentes tipos de “fascistóides” que o estavam
ameaçando com freqüência: neo-liberais ensandecidos, fundamentalistas bíblicos,
ditadores vermelhos, “mussolinistas” sudestinos, anarquistas kamikases,
trotskistas sanguinários, noiados egóticos, etc.
De uma hora pra outra, poderia acontecer uma
agressão física mais séria, ou algo pior.
***
O pivô do inquérito foram ameaças de morte
recíprocas que aconteceram entre ele e um aluno da UFP (Universidade Federal do
Paraíso). Nessa época, ele trabalhava como secretário do curso de Logística
dessa universidade (trabalhou também no curso de Educação Artística); e sempre
apoiou a militância sindical de esquerda, mas não como prioridade de vida.
O motivo dos bate-bocas pesados e das ameaças
mútuas foi mais ideológico do que pessoal. E ele realmente surtou, num certo
dia, em postagens na Internet, e se descontrolou, depois de um acúmulo de
“entreveros” recíprocos medonhos. Então um inquérito foi aberto e, como
resultado desse inquérito, a Junta Médica do Hospital-Escola acusou-o de
“alienação mental” e apoiou a abertura do referido inquérito administrativo,
mas “liberou” o aluno (certamente por ser filho de gente muito rica da grande
burguesia de Paraíso).
***
As
evidências apontam para uma disputa ideológica exacerbada, que agravou-se a
partir da greve de 2016, da qual ele participou, mas foi contra a ocupação do
Centro de Artes da UFP, por convicção democrática, uma vez que, naquele
momento, parecia mais inteligente o convencimento do que a imposição. Isto fez
com que, ao optar estrategicamente por um “meio-termo”, na sua posição política
daquele momento, isto resultasse, pra ele, numa espécie de fogo cruzado,
exacerbado, entre a “extrema-direita” e a “extrema-esquerda”.
Quero
enfatizar que, desde aquela greve, as discussões acaloradas e as ameaças foram
recíprocas, tanto no Facebook quanto nas dependências do Departamento,
(principalmente no “balcão” da secretaria do curso de Logística), e também nas
assembléias sindicais. Portanto as referidas ameaças não foram feitas apenas
por Luquinha, mas também por alguns estudantes, colegas de trabalho e moradores
do bairro.
No caso
dos referidos estudantes, os fatos aconteceram principalmente entre os que
atuavam como administradores do grupo do referido curso no Facebook, e até por
alguns técnicos e professores (em geral, e não apenas do Departamento de
Logística).
Luquinha
chegou, inclusive, a alertar a Chefia do Departamento várias vezes, sobre este
problema da crescente “agressividade” de alguns estudantes, tanto no Facebook
quanto no “balcão” da secretaria, mas a Chefia e a Secretaria do Departamento
preferiram não enfrentar diretamente o problema, e reagiram com uma certa
“frouxidão” administrativa diante destes fatos que acabaram agravando-se
gradualmente. E aqui é necessário relembrar que houve depredação de patrimônio
público no Centro de Artes da UFP, na reta final da referida greve, e ainda o
seguinte: alguns estudantes administradores do grupo do curso no Facebook
fizeram cortes nas postagens em que houve bate-bocas, e suprimiram uma página
inteira. Nestas postagens estão registradas as passagens mais graves dos “bate-bocas”
e das ameaças RECÍPROCAS, bem como as evidências mais fortes de que o problema
ideológico está por trás do problema “pessoal”: crescentes disputas culturais e
existenciais, mas de cunho pessoal também, e tudo envolto num clima de
agressividades mútuas que foi crescendo paulatinamente, acumulando.
No
entanto, estas referidas páginas, COM CORTES, foram incorporadas ao processo de
sindicância, e os três alunos envolvidos nesta confusão não compareceram à
“oitiva” da comissão de sindicância. E há outros fatos que continuam
desconhecidos entre os envolvidos, em geral, e a comunidade do Centro de Artes,
direta ou indiretamente.
Enfim: o
acúmulo de vários fatos decorrentes de uma guerrinha “existencial” e política,
ou de confrontos pessoais misturados com um confronto “cultural”, resultaram no
“surto” de Luquinha e em seu descontrole emocional.
E quero
deixar claro também, na minha avaliação pessoal, que os alunos que fizeram a
acusação de “doença mental” e “vício em drogas pesadas” não têm um mínimo entendimento
dos fenômenos que envolvem os diferentes tipos de transtornos. Sendo assim,
estes alunos estavam emitindo opinião individual sobre o que não conhecem nem
entendem. Na verdade, estavam fazendo perseguição política e existencial. São
um bando de burguesinhos normóticos e fascistóides. Estúpidos e de mentalidade
estreita e ditatorial.
***
Sei que muita gente vai estranhar que, no
início do século 21, a guerrinha epistemológica entre “normose” e
“transgressão” ainda esteja tão quente. Mas esta é uma guerra “filosófica” que
talvez seja eterna. Um maniqueísmo mútuo que sempre retorna, como uma fênix
feroz. Uma dicotomia ancestral e sempre atual. Com poucas possibilidades de
sínteses ou interconexões em algum tipo de
“meio-termo”, ou “caminho do meio”.
Eu li muita psicologia, tanto que até me
considero “quase-psicólogo”. Fiz essas leituras e pesquisas para os meus
esforços de autocura, e pra me ajudar na abordagem de personagens da minha
literatura, pois sou também escritor independente, além de funcionário público
federal (como Luquinha, mas em outra empresa estatal). E nunca ganhamos
dinheiro com literatura. Sempre sobrevivemos com os nossos salários, no
dia-a-dia dos arquivos e secretarias do serviço público. Escrevendo poesia e
prosa em brechas do nosso tempo livre, em computador residencial e em Lan
House; ou em cadernos usados especificamente para a escrevinhadura literária e
“filosófica”.
***
Depredar patrimônio público é bobeira; e burrice na elaboração das
táticas. Vocês lembram dos ludistas nos primórdios do capitalismo industrial?
Pra quem não lembra, vou fazer um resumo rápido: os caras eram, em sua maioria,
artesãos falidos por conta da concorrência com o maquinário das novas
indústrias emergentes a partir do final do século XVII na Europa (principalmente
na Inglaterra). Só que, ao invés de atacarem o capitalismo nascente, eles
quebravam as máquinas. Obviamente, esse tipo de revolta infantil não surtia
efeito. Servia apenas para os capitalistas acusarem-nos de baderna e
criminalidade, pra depois prendê-los, com o apoio da população “ordeira e
pacífica”, afundada no moralismo puritano e burguês.
Tenho a séria convicção pessoal de que essa atitude insana mais
atrapalha do que ajuda as lutas gerais. Precisamos e devemos nos esforçar pra
aumentar o nosso nível de autogerenciamento, visão geral e capacidade de
administração pessoal para que sejamos capazes de usar as máquinas e “robôs”
para o bem comum, sem deixá-los nos dominar, nem nos impedir de distribuir
renda, poder, terra, conhecimento, etc.
Tenho dito, aos jovens da atualidade, que doem computadores às escolas
municipais, ou aos postos de saúde dos subúrbios, ao invés de quebrá-los ou
incendiá-los.
***
Não mataram Luquinha.
Nem aleijaram.
MAS ESTIGMATIZARAM.
Porém a vida continuava, plena, apesar da
velhice aproximando-se rapidamente. E não venham me dizer que eu estou cuspindo
no prato onde comi. O papo aqui é outro. O buraco é mais em cima. Nas altas
cúpulas da epistemologia estreita, tacanha, totalitária.
E a inadaptação é dentro. Ferve por dentro,
mas não impede a execução das tarefas diárias, nem impede que continuemos
ampliando a percepção, a visão crítica e a capacidade laborativa.
A maioria dos meus colegas de trabalho, nos
diferentes setores em que trabalhei como digitador ou secretário, eram
“normais” e bem adaptados. Ou até mesmo conformistas cooptados. Mas muito
sutilmente venenosos. Destilavam um veneno sutil muito eficiente, muito
capcioso, quase imperceptível no dia-a-dia, que freqentemente era usado nos
ataques sorrateiros contra inimigos ideológicos ou concorrentes diretos aos
cargos de direção, comissionados ou funções gratificadas. No meu caso, fui
particularmente perseguido, e até ameaçado, por uma “secretária de
departamento” evangélica, filha de um grande burguês litorâneo, a qual
costumava “difamar-me” junto à alta cúpula, quando não tentava me humilhar ou
me ameaçar indiretamente (aquela velha história de técnicos que perseguem
técnicos).
Também havia a luta-de-classes entre
professores e o pessoal administrativo: uma disputa ideológica bastante
infernal. Enfim: o ambiente do serviço público universitário é um ambiente
bastante perigoso. E o mais estressante eram as relações de poder e de
produção.
***
A classe média universitária é um trambolho
egótico e imediatista que só pensa em usufruir dos cofres públicos, e ascender
hierarquicamente dentro das instituições.
Dinheiro e poder: a velha goga fudida. O resto
empurra-se com a barriga, ou joga-se pra debaixo dos tapetes.
Que venha primeiro a bufunfa do meu projeto, meu convênio, meu cargo
comissionado, meu ego doutoral. Meu “cuscuz” elitista. Meu “pirão”
intelectualóide.
Já o pessoal administrativo, em geral, é a
“peãozada” das universidades (os “dálits”). Embora alguns cheguem a ocupar
altos cargos em diferentes setores das “cúpulas” (principalmente o pessoal de
nível superior, mas também alguns técnicos de nível médio). No entanto, em sua
maioria, não passam de “barnabés” sem importância, e apenas executam as
decisões dos egos doutorais e pós-doutorais. São uma mão-de-obra sem poder
decisório; pois este é concentrado nos professores com doutorado e
pós-doutorado. E agora, com a ascensão do neo-liberalismo “fascistóide”, começa
a haver também uma pressão por metas e enquadramentos, até mesmo entre os
professores, o que piora bastante a situação geral.
***
Falando sério: autodidatismo é recomendado
apenas pra quem é ESTRITAMENTE VOCACIONADO. E na nossa guerrinha “epistêmica”
tem também os riscos na luta pela sobrevivência. Então a decisão mais lúcida
seria mesmo encarar a “via crúcis” da educação formal. E usar o “canudo” como
vantagem nas disputas pela sobrevivência.
No entanto, a História Humana está cheia de
casos de autodidatas famosos e altamente competentes nas suas áreas
específicas: Einstein, Santos Dumont, Sócrates, Bill Gates, Le Corbusier,
Maiakovski, Jimmy Hendrix, Machado de Assis, Woody Allen, Leonardo da Vinci,
etc.
E tem outra “casca de banana” nesse buruçu: as
limitações ideológicas e culturais das academias e universidades. Pois as
relações-de-poder, as “obtusidades” de certos egos doutorais e as disputas por
cargos e “verbas” costumam trazer como conseqüência algumas barreiras e
limitações para o avanço da percepção ampliada e para novas descobertas no
campo do conhecimento em geral.
Então é necessário que algumas áreas continuem
aceitando e apoiando o autodidatismo. Por exemplo: música, artes plásticas,
filosofia, política, cinema, literatura, teatro, mecânica, etc.
Mas é verdade que a maioria das áreas não são
aconselháveis para o autodidatismo, pois são extremamente difíceis de serem
assimiladas exclusivamente por esforço pessoal não-acadêmico.
Porém se todas as áreas, do conhecimento e das
artes, fossem “proibidas” de apoiar autodidatas, então certamente a humanidade
perderia muito no campo da criatividade artística, filosófica, científica, etc.
Pois é. Tenho dito.
***
Reconheço que existem colegas de trabalho que
são enrolões. Aproveitam a estabilidade garantida pela Lei 8.112 (o Regime
Jurídico dos Servidores Federais) para fazerem corpo mole. Relaxarem nas suas
tarefas específicas, e atrasarem os prazos dos serviços. Mas não são maioria. E
o pior mesmo é quando algum técnico passa a perseguir outro técnico, ou querer
“vampirizar” algum colega.
Porém há setores de universidades onde não há
necessidade de qualquer tipo de “neo-fordismo”, ou “linha-de-produção”, ou
pressão por metas, uma vez que o volume de serviços é apenas mediano. E é bom
não esquecer que estamos falando de uma empresa cujo produto é o conhecimento.
É uma empresa “diferenciada”.
Eu mesmo não sou vocacionado para
“workaholic”, ou pé-de-boi, como dizem no Nordeste. Apenas faço a minha parte.
Cumpro as minhas tarefas, dentro dos prazos. E nunca tive problemas com o
controle de frequência.
Acredito também que a acusação de
insuficiência de desempenho deveria ser usada apenas nos casos mais graves.
Para os casos menos graves, seria mais justo outros tipos de punição mais
branda. E reconheço que aqueles que trabalham mais, que produzem mais, merecem
ganhar um pouco acima da média, e assumir cargos de mando. Por merecimento.
Mas dou testemunho que Luquinha nunca foi um
enrolão. Ele era um profissional sério, que estava sempre antenado com os
prazos dos seus serviços. Não tinha o mau costume de esconder serviços em
gavetas.
***
Sobre o suicídio dele eu posso garantir que
não foi suicídio. Tenho certeza que não foi suicídio. Pois aquela parte da
praia onde ele mergulhou e se afogou (em frente às ruínas do antigo mosteiro da
praia de Trombetas), era um lugar que ele costumava visitar com uma certa freqüência.
Portanto ele conhecia bem os detalhes daquele lugar. E certamente o que
aconteceu foi uma fatalidade imprevista. Talvez tenha sido um pequeno vacilo
por conta do efeito do álcool (ele gostava de beber vinho à beira mar), e
provavelmente também tenha fumado um baseado: se foi uma “manga-rosa”, então
esta com certeza influenciou na atenção e na noção de espaço e tempo.
(devaneios e delírios à beira mar, o que certamente influiu no afogamento.)
***
O Departamento de Educação Artística, onde
Luquinha trabalhou como assistente administrativo e secretário de curso
(trabalhou também no Departamento de Logística), é um departamento onde o
volume de serviços é, realmente, pequeno ou médio (em muitos momentos). E a
maior parte do “stress” vem das relações de poder; e não de uma alta quantidade
de serviços.
Mas,
mesmo assim, é preciso estar com a mente sempre voltada para os serviços do
Departamento (antenada com os prazos). O que dificulta um pouco a velha tática
de trabalhar durante o dia e dedicar-se às artes durante a noite.
Então a
opção pelo autodidatismo, que ele fez aos 25 anos, para fugir de currículos com
sérias limitações epistêmicas e ideológicas, foi uma grande bobeira. Quase uma
armadilha. Porque, de um jeito ou de outro, era preciso estar com a cabeça
voltada para os prazos do Departamento, o que atrapalhava bastante as suas
atividades artísticas.
E havia também os “curtos-circuitos”
decorrentes do fato de ter a cabeça dividida entre o lado racional-memorizador
e o lado intuitivo-místico. Um conflito interno entre o lado
lógico-quantitativo e o lado místico-artístico (como dois lados de uma mesma
moeda, que se alternam e se misturam).
***
Filho de
pobre precisa trabalhar e estudar. Não tem pra onde correr. Mas na pobreza da
infância de Luquinha não havia fome (propriamente dita). Havia apenas algumas
pequenas fases de “monotonia” alimentar; não muito prolongadas. Ou seja: ele
era um mesmo um “privilegiado”, pois nunca teve problemas de subnutrição, ou
fome propriamente dita (sempre tinha o que comer, mesmo submetido à pobreza
nordestina.)
Porém a
rotina de trabalhar-e-estudar não conseguiu impedir que ele dedicasse a maior
parte de seu pouco tempo livre às artes em geral; principalmente poesia e artes
plásticas (inclusive a prosa). E também um pouco de música e dança-de-salão. O
bastante pra desenrolar algumas partituras, arranhar o violão e “decorar”
alguns passos difíceis do tango e do maxixe.
***
Luquinha
nasceu no dia 31 de janeiro de 1959. É aquariano, portanto.
Foi
escolhido pelo universo para o sonho e o delírio. Para sonhar e morrer de
sonho. Um “Orfeu” lascado e fudido. Desprezado e descartado. Um voador que
demorou demais pra botar os pés no chão. E quando botou, já era tarde: “Dona
Inês estava morta”.
Ainda me impressiona a indiferença e o
isolamento que cercavam Luquinha após a sua aposentadoria. Ninguém comprava
seus livros; nem seus quadros. Até mesmo algumas composições musicais
interessantes ficaram completamente esquecidas. E sua vida afundou num
ostracismo horrível. É realmente impressionante o desprezo e a indiferença à
arte e à trajetória de luta desse grande artista engajado. Mas ele era um homem
acostumado com a solidão. Apesar dos vários amancebamentos circunstanciais. E
voltou a morar com seus pais, no semi-árido, alternando períodos de estadias na
capital. (Ele não tinha filhos; e eu acho que ele acertou quando decidiu não
deixar descendência genética aqui neste nosso país lascado e arrombado.)
***
Luquinha gostava muito de batatas e tubérculos
em geral.
Tanto a batatinha inglesa quanto a batata
doce. É daí que vem o seu apelido. Ele mesmo cozinhava. Batatinhas dentro do
guisado ou da muqueca. Doces de batata com açúcar mascavo. Purês. Batata frita
no azeite. Batata doce com galinha caipira. ETC.
***
Pra mim, o imbróglio dos “alternativos” contra
a Geração 65 é mais ideológico e existencial do que estético ou formalístico.
Dentro da Geração 65 havia espaço para
experimentações no estilo, no formato e no enredo. Mas havia “sérias”
limitações ideológicas e existenciais no conteúdo. Tanto é que a maioria dos
seus membros tornaram-se politicamente centristas, apesar de terem resistido à
ditadura militar; e depois migraram para partidos como o PMDB, o PSB e o PDT,
(principalmente estes três), que são partidos cuja trajetória terminou em uma
hegemonia interna de setores “centristas”, mormente a “centro-direita”
propriamente dita; embora, com o passar do tempo, alguns setores de
centro-esquerda, e esquerda DEMOCRÁTICA, tenham crescido dentro destes
referidos partidos, PRINCIPALMENTE NO PDT E PSB.
No campo especificamente existencial, e em
outros campos específicos, parece ter havido alguns avanços; mesmo que, também,
com algumas limitações na resistência cultural, filosófica e sócio-econômica.
O nível estilístico e a costura sintática eram
um nível alto, na maioria dos escritores desta referida Geração. Tanto entre
poetas como entre prosadores. Mas eles, com raras e honrosas exceções,
desprezaram e subestimaram a literatura “alternativa” e a poesia marginal.
Muitos deles, atualmente, apesar de terem feito um pouco de autocrítica em
relação à sua postura contra a Literatura Independente, ainda permanecem, a meu
ver, como canônicos “enrustidos”, ou “mal-resolvidos”. Ou ainda apegados aos
seus títulos e honrarias acadêmicos. COM RARAS E HONROSAS EXCEÇÕES.
Mas eu, ATUALMENTE, reconheço que são mais
frutíferas as simbioses e sinergias entre os diferentes campos literários do
que a hegemonia exclusiva de um deles sobre os outros, SEJA ELE QUAL FOR. Ou
melhor: as influências mútuas entre as diferentes áreas da Literatura são mais
frutíferas, e mais importantes, do que a hegemonia de um determinado campo
literário sobre os outros campos literários.
***
Ele
tinha sangue quente. Sua árvore genealógica paterna estava recheada de
guerreiros e artistas, desde os bisavós. Tinha sangue de guerreiro e artista
(dos dois); pois havia muitos artesãos na sua família (e poetas, pintores,
músicos, novelistas, etc). E chegou a freqüentar grupos de capoeira, academias
de jiu-jitsu, sodalícios iconoclastas, movimentos clandestinos sediciosos,
grupelhos místicos “ensandecidos”, sindicatos combativos, partidos
revolucionários, etc, etc.
No
entanto foram raros os seus surtos de agressividade. E a maioria desses
“surtos” foram necessários para o exercício de uma legítima autodefesa.
Principalmente contra extremistas de direita ou de esquerda. Ele era bom no
autocontrole e no autogerenciamento. Inclusive no gerenciamento do uso de
substâncias alucinógenas e estimulantes. Pois ele sempre manteve um uso
eventual, e sempre teve um grande cuidado na administração pessoal das dosagens
e freqüências. Dou testemunho.
***
Eu me
sinto quase na obrigação de resgatar uma parte da história de sua trajetória de
vida e das suas artes. Se eu não o fizer, ninguém mais o fará. É a minha
maneira de fazer justiça histórica e de homenagear um homem extraordinário, um
grande multiartista. Verdadeiramente ético e desapegado. Um corajoso lutador.
Que deu o seu sangue à luta por distribuição de renda, liberdade individual,
expansão da consciência e avanços artísticos e culturais. Um herói. Um mártir.
Um cordeiro sacrificado pela coletividade egótica, covarde, traiçoeira,
vampiresca. Um grande cérebro criativo, profundo, amplo. E o meu melhor amigo.
Cultivamos
uma grande amizade, embora tivéssemos algumas pequenas divergências. O que é
normal, num ambiente democrático. E eu tenho muitas saudades dele. Às vezes
sonho com ele.
Sabemos
o quanto são raras essas amizades profundas e sinceras entre criaturas
verdadeiramente éticas e desapegadas. Um privilégio raro num país cuja maior
parte do povo afundou no egoísmo imediatista, nos diferentes tipos de
fundamentalismo, em pendores “fascistóides”, na covardia traiçoeira, no
vampirismo neo-liberal (ou assemelhados), no excessivo apego aos genes, numa visão-de-mundo
estreita e castradora, etc, etc.
***
Ele era
bissexual. Tinha, de nascença, nos cromossomos, nos hormônios e nos
neurotransmissores, uma carga de androginia. Mas o seu aspecto físico não tinha
aparência andrógina, uma vez que essa androginia era mais mental do que física.
E era um “andrógino” de sangue quente. Como os dionisíacos da Grécia antiga.
Eu sou
hétero (e não me excito com o corpo masculino).
Nunca
tive qualquer envolvimento sexual com ele, que era um cara que, realmente,
respeitava o espaço individual dos outros. Não invadia.
Nunca
tive qualquer notícia de qualquer tentativa, dele, de “invasão” do espaço
individual de quem quer que seja (com objetivos de conseguir favores sexuais).
Nem notícia de qualquer assédio moral, ou sexual, por mínimo que fossem.
***
Amor livre é
uma quimera da década de 60. Não funciona na prática. Por um motivo bem
simples: o ego e a posse sempre falam mais alto quando o assunto são os corpos
bonitos. (ninguém divide beleza externa com ninguém). Esse papo de alguns
machos dividirem formosura feminina com outros machos... não passa de uma
conversa pra boi dormir: UMA TEORIAZINHA QUALQUER, QUE NÃO FUNCIONA NA PRÁTICA.
O amor
romântico é eterno, e será sempre hegemônico; nunca será exceção. Não é um
fenômeno datado, pois o “soft” das fêmeas é assim mesmo, é incuravelmente
“cinderélico”, e é imutável (variam apenas as dosagens). Não acredito em mulher
liberada, nem em casamento aberto, nem em macho desapegado (quando se trata de
BELEZA EXTERNA NA FÊMEA). Todo esse papo de “amor livre”, ou “poliamor”, é
quimera da década de 60.
***
Identificar-se com bandidos (propriamente
ditos) é um equívoco intuitivo que alguns artistas transgressores cometem com
uma certa freqüência.
Certamente, este equívoco decorre da situação
de pobreza, ostracismo e discriminação que alguns desses artistas sofrem no seu
dia-a-dia. O que faria com que estes acabem se identificando com todos os que
estão à margem do Poder Estabelecido. E às vezes a aproximação mútua é
inevitável.
Numa situação dessas, é “natural” que alguns
jovens rebeldes e artistas transgressores passem a acreditar que algum tipo de
“vinculação” com algum grupo “fora-da-lei” seja uma forma de questionar e
enfrentar o reacionarismo político e o conservadorismo existencial. E isto é um
grave equívoco intuitivo.
Num raciocínio semelhante, o “suicido branco”
poderia ser visto também como uma maneira de questionar a “normose”
estabelecida. O que é também outro equívoco, pois a “autodestruição gradual” de
jovens rebeldes interessa aos esquemas de dominação da burguesia “normótica”.
E então é preciso identificar EXATAMENTE quem
é e quem não é bandido (propriamente dito). Ficar atento aos pequenos detalhes
que podem ajudar nessa identificação, nessa diferenciação que, freqüentemente,
mesmo em mínimos detalhes, leva a tantas deturpações e perseguições ideológicas
de jovens que, até certo ponto, estão à margem dos domínios do Poder
Estabelecido.
(Não sou bandido. Sou poeta.)
***
Luquinha nunca se envolveu com o tráfico de
nada. Não tinha nem mesmo associação com o tráfico de maconha, que é
considerada a mais leve entre todas as drogas (embora não seja inofensiva).
Se alguns parentes militares de sua família
tinham envolvimento com o tráfico de armas, isso é problema desses parentes; e
não de Luquinha.
Mas eram muitas as fofocas malignas e
insinuações capciosas de que ele traficava alucinógenos. Estas eram atitudes
ultravenenosas e canalhices difamatórias que algumas “almas sebosas” faziam
contra ele: no trabalho, no bairro, em certos partidos, igrejas, alguns
sindicatos, etc.
Ele era apenas um usuário eventual de álcool e
maconha. Não era nem mesmo um viciado propriamente dito; pois não usava estas
duas drogas todos os dias. Usava apenas eventualmente, de forma recreativa, ou
para estimular a criatividade literária e artística, em determinados momentos.
***
Nunca houve uma grande fragmentação da
personalidade em Luquinha. Nunca houve caos mental, propriamente dito. Houve
pequenos surtos. Porém os surtos mais fortes foram raros: uns cinco ou seis,
durante toda a sua trajetória de vida (58 anos). Ele nunca saiu do
“estado-de-vigília”, nem perdeu a consciência dos seus atos. E sempre deu conta
dos seus afazeres em geral: trabalho, escrevinhadura, cozinha, faxina,
leituras, cálculos, etc.
Porém reconheço que os diferentes “alteregos”
que ele usou na sua literatura iconoclasta, e desvairada, são resultantes de um
estado mental “semi-caótico”, mas não totalmente fragmentado. E também não é
permanente: emerge apenas em determinados momentos, como parte do clima
psicológico circunstancial.
Quanto aos impulsos, não se justifica o temor
das pessoas “normais” de que ele poderia, repentinamente, sair por aí atirando
pra todo lado, em todo mundo, como aqueles “psicóticos” dos Estados Unidos.
Pois ele estava, realmente, na DEFENSIVA. Sua perspectiva era apenas de
legítima defesa, quando fosse estritamente necessário usar a violência. O caso
dele é diferente do caso desses “psicóticos” e “paranóicos” ianques.
A “função-de-ego”, no caso dele, e o seu autocontrole,
continuavam funcionando. A sua força interior permanecia atuando. O
discernimento racional e a memória também.
E os pequenos “surtos” e “descontroles”, que
às vezes aconteciam, são humanos e comuns: acontecem com as pessoas “normais”
também. Não são prerrogativas exclusivas de uma determinada “esquizofrenia”
literária.
***
Outro detalhe psicológico da vida de Luquinha
era a “Síndrome de Peter Pan”. Ele era mesmo um eterno adolescente. Mas era um
“adolescente” angustiado e melancólico. Sua vida mental era fortemente
influenciada por Don Quixote e Peter Pan, como campos do inconsciente coletivo
que emergem das profundezas subjetivas e influenciam a consciência, o “ego” e a
personalidade.
(Arquétipos e setores do inconsciente que, das
interconexões cósmicas e das profundezas da mente humana, conseguem influenciar
e direcionar o “ego” e a “persona”, quase invisivelmente: a consciência, a
autopercepção e o estado-de-vigília têm uma enorme dificuldade para perceber
interiormente estas manobras psíquicas de “arquétipos” e outros setores do
inconsciente coletivo ou individual.)
***
Ainda há uma grande dificuldade para a
predisposição mental de estar sempre olhando os dois lados (positivo e
negativo) na análise de qualquer fenômeno.
Não poderia ser diferente na questão da
maconha, por exemplo.
O imbróglio do maniqueísmo mútuo continua:
quem é contra, vê apenas o lado negativo. E quem é a favor, vê apenas o lado
positivo. E há os que endeusam totalmente e os que demonizam totalmente.
As duas posturas são unilaterais e
dicotômicas: tanto o endeusamento unilateral quanto a demonização unilateral.
Não cabe aqui fazer uma lista de aspectos
positivos e aspectos negativos (eu fiz isso em uma crônica de três laudas).
Pois atualmente já ficou claro quem é quem. Basta apenas um pouco de
conhecimento mais lúcido, amplo e atualizado sobre o assunto.
PRA MIM está claro, agora, os dois lados dessa
questão “sanguinolenta”.
E aqui é necessário fazer uma importante
“ressalva”: não se trata de interferir na liberdade individual de ninguém. Se é
assim, então a postura mais inteligente não é a proibição, mas a
descriminalização. O que permitiria que cada um tenha a opção pessoal de
decidir sobre suas dosagens e suas freqüências. Cada um, então, que saiba onde
está os limites de seu corpo e de sua mente, e faça suas opções pessoais
através de um autogerenciamento responsável.
LIBERDADE COM RESPONSABILIDADE.
É isso. Resumidamente.
***
Usar a malandragem contra o capitalismo seria
um erro de estratégia, ou uma covardia sorrateira, ou uma capciosa cooptação
(disfarçada de rebeldia individualista). Conforme cada caso. Mas eu reconheço
que nem sempre o conceito de “malandragem” coincide com o de “preguiça
esperta”, pois a primeira é uma atitude diante da vida; e a segunda pode ser resultante
da influência de diferentes fatores (bioquímicos ou não).
E também o seguinte: a malandragem não
consegue grandes vantagens. Consegue apenas pequenos ganhos. Quando consegue.
A estratégia que poderia arrancar “grandes”
ganhos, contra o capitalismo, ainda é a velha e boa luta-de-classes, mesmo que
não seja vinculada a alguma variante de marxismo ortodoxo ou de anarquismo
radical.
É a luta anticapitalista que traz os avanços;
e não o “desvio” individualista da malandragem.
***
Outra acusação caluniosa que faziam contra
Luquinha era a de racismo velado e disfarçado. Mas essa era uma acusação
difamatória. E muitos dos que faziam esse tipo de insinuação estavam exercendo
alguma variante de racismo reverso: é muito triste esta constatação, porque
havia entre os acusadores algumas figuras que tinham conhecimento da trajetória
de luta de Luquinha. E estavam, na verdade, discriminando a sua pele branca (a
mãe dele é “galêga” dos olhos azuis). Então era racismo reverso mesmo, em
alguns casos. Além de uma possível discriminação sexual, uma vez que ele era
bi.
***
No Brasil, preto é preto, e marrom é marrom. É
a vida como ela é: aqui.
A REALIDADE.
Aqui, somos todos mestiços, ou quase todos: no
sangue, nos cromossomos.
MAS EU TAMBÉM FIZ O “ELOGIO DA MESTIÇAGEM”.
No entanto...
todo mundo faz suas filtrações ideológicas, de
um tipo ou de outro, mas fazem. Todos: marxistas, anarquistas, cristãos,
centristas, pretos, brancos, homos, héteros, semitas, germânicos, “tupis”, etc,
etc.
Por exemplo: os machos brasileiros preferem as
brancas. A grande maioria desses machos. Ou então mulatas claras, ou no máximo
“médias”. Dificilmente pretas propriamente ditas. E não é exclusivamente por
conta da discriminação classista, embora esta continue existindo. É porque
acham mesmo a mulher de pele branca mais bonita (MAS NENHUM MACHO, DE QUALQUER
COR, TEM CORAGEM DE ADMITIR ESSA VERDADE).
Outro exemplo: Nilo Peçanha era mulato (haja
“photoshop”). Se fosse preto, propriamente dito, certamente não o deixariam
assumir a presidência.
Negócio seguinte, m’ermão: se você tem medo da
solidão ou da guerra, NÃO FALE A VERDADE. Porque diferentes tipos de patrulhas
ideológicas podem decidir planejar a sua eliminação física num piscar de olhos.
Parecem “políticos”, todos eles; de todas as
cores e ideologias. De todos os tipos e variantes.
Mas o único “político” daqui sou eu?? O ÚNICO
QUE FAZ FILTRAÇÃO IDEOLÓGICA, DE QUALQUER TIPO, SOU EU??
Outros exemplos: Félix Chachá, que era
caboclo, foi o maior traficante de escravos do Brasil. O Terço dos Henriques,
que era composto, principalmente, de mulatos e caboclos, teve uma participação
fundamental na destruição do Quilombo da Serra da Barriga, junto com as tropas
de Domingos Jorge Velho, que também era caboclo. (eu estou falando dos
diferentes tons da cor marrom.)
Xica da Silva tinha escravos.
Mas preste bastante atenção no seguinte,
m‘ermão: eu não estou pregando ódio ideológico contra os mestiços em geral; nem
concordata da “civilização mestiça”.
Pelo contrário. Pois eu sou mestiço também. No
sangue. Nos cromossomos. E o racismo tem a ver também com “estados mentais”
engessados; e não apenas com escravidão propriamente dita; (na antiguidade,
TODAS as etnias tinham os seus escravos. TODAS.)
E eu estou apenas ALERTANDO para determinados
detalhes que geralmente são secundarizados ou descartados; e podem emergir como
“pontos-de-estrangulamento” em determinados contextos específicos.
E estou relembrando que eu também fiz o elogio
da mestiçagem, e nunca preguei nenhum tipo de concordata da “civilização mestiça”.
E também tenho contradições e ambiguidades, como TODAS as criaturas humanas.
Tá certo??
***
As divisões internas dentro dos partidos e
“correntes” é um assunto que precisa ser esmiuçado mais detalhadamente, com
muito cuidado. Principalmente as mudanças no campo majoritário de cada partido.
Mas também a composição interna das coligações partidárias circunstanciais.
O PT, por exemplo, tem umas dez correntes
internas dentro dele. Mas o PSOL também é uma “colcha de retalhos”. E novas
tendências ideológicas e estratégicas estão sendo criadas a todo instante em
cada partido ou “tendência” sindical.
TODOS os campos ideológicos, de um tipo ou de
outro, têm as suas divisões e subdivisões intestinas. E precisamos evitar
generalizações precipitadas quando fazemos nossas avaliações de conjunturas.
Outro detalhe que eu quero lembrar é que essas “divisões e subdivisões”
acontecem não apenas nos partidos políticos; mas também em grupos culturais,
religiões, bairros, empresas, famílias, sindicatos, etc.
É humano. Demasiado humano.
***
Misoginia e homofobia são, realmente, dois
imbróglios terríveis. Ancestrais e endêmicos. (o Paulo de Tarso que o diga.)
mas...
existem, também, casos de misandria e
heterofobia. Estes são em menor número, mas também existem. De uma forma mais
“escondida”, meio “velada”: por debaixo do tapete, e empurrando com a barriga.
Escondendo. Tergiversando.
No geral, tanto de um lado como do outro, há
estados mentais que permanecem entranhados nas funduras da psique humana.
Eu mesmo já fui ameaçado de ser processado por
“homofobia”, e essa pessoa era do meu círculo de conhecidos; e conhecia minha
trajetória de luta anticapitalista e anti-normótica. Tem até “amigas” que me
acusam de ser “misógino” e “cafuçu”, apesar de conhecerem a minha trajetória de
luta.
Também conheci algumas fêmeas misândricas. Mas
que tentavam, veladamente, esconder essa misandria. E sempre negavam
terminantemente esse “ódio” aos machos.
***
Luquinha não era vegetariano. Era onívoro. E
gostava de misturar a dieta mediterrânea com a dieta vegetariana. Portanto
incluía na sua alimentação as carnes brancas, o vinho, o azeite e a pimenta. E
eventualmente carne de bode também. Às vezes.
E ele também não era marxista nem anarquista,
embora bebesse nessas duas fontes. Sua posição política poderia ser resumida
assim: estratégia etapista, estado-de-bem-estar, frente ampla de esquerda e
centro-esquerda, com a democracia direta após o estado-de-bem-estar. Seria mais
ou menos assim, resumidamente.
***
Ninguém, em sã consciência, vai defender o
consumo de carne vermelha ou enlatados.
Mas é preciso lembrar, sempre, que a liberdade
individual está, também, inserida nesta discussão. E quem quiser comer carne,
tem democracia e liberdade pra fazer isso; (o direito ao contraditório.)
E há outro problema com o vegetarianismo
radical: a carne vermelha também tem suas funções dentro do organismo;
principalmente na bioquímica cerebral (proteínas cerebrais), além de
aminoácidos e compostos nitrogenados que auxiliam o sistema imunológico e o
fortalecimento dos músculos.
Mais um problema: o vegetarianismo
“totalitário” resulta, frequentemente, na demonização total da carne vermelha,
o que é uma postura maniqueísta e dicotômica. Sem falar nos pendores
“fascistóides” do patriarcado védico vegetariano, e seu sistema-de-castas
insolúvel, na prática. Isto quer dizer: a pulsão-de-poder não depende do uso de
carne ou verdura: ela pode manifestar-se excessivamente em vegetarianos ou
onívoros.
E eu reafirmo o meu direito de ser ONÍVORO,
mas estou de olho na minha pulsão-de-poder; tou fazendo meus sinceros esforços
de autogerenciamento. E cada um que administre suas dosagens e suas
freqüências, sem demonizar as opções alheias. E sem querer instalar nenhuma
espécie de totalitarismo, ou ditadura “alternativa”, ou “ecoxiismo”.
Pois é.
***
Há muito tempo que a minha posição em relação
ao marxismo ortodoxo é a seguinte: assimilar os acertos e neutralizar as
falhas. Mapeando os aspectos positivos e os aspectos negativos.
Mas esse movimento mental duplo, que a
princípio parece relativamente fácil, na verdade é um mecanismo mental
extremamente difícil e perigoso. Por vários motivos.
Por exemplo: os marxistas ortodoxos recusam-se
terminantemente a reconhecer as falhas do velho marxismo. E os neo-liberais
recusam-se terminantemente a reconhecer qualquer aspecto positivo no marxismo
em geral. É maniqueísmo mútuo e dicotomia sanguinária até altas horas. (sai de
perto)
Outro imbróglio terrível é o fogo cruzado que
a centro-esquerda e o etapismo socialista agüentam ao ficarem “imprensados”
entre o neo-liberalismo e a ortodoxia marxista: literalmente suportando o
insuportável. E aqui é realmente necessário enfatizar um detalhe fundamental:
ETAPISMO NÃO É REFORMISMO. Por um motivo bem simples: o reformismo tem um
limite claro, assumido publicamente. E o etapismo não descarta a possibilidade
de ir além dos limites do “estado-de-bem-estar”; quando é possível dar mais um
passo além; dentro de uma lógica geral de avanços graduais e paulatinos, a
depender das relações-de-força concretas em cada contexto específico. Com os
pés no chão; sem sonhos inexequíveis nem radicalismos infantis.
E tem a parte epistemológica também. Onde os
dois referidos lados antagônicos derrapam clamorosamente.
Um deles não faz outra coisa a não ser repetir
as ladainhas vampirescas do pseudo-cientificismo econômico do Consenso de
Washington e do Plano Atlanta: altas maquiagens ideológicas pseudo-científicas
pra justificar a concentração de renda,
a subnutrição infantil e a vampirização das riquezas naturais.
O outro não consegue desapegar-se de uma bula
engessada na segunda metade do século 19 e início do século 20. E então fica
acreditando piamente que é possível repetir a experiência bolchevique no
Brasil, ou implantar a autogestão generalizada a curto ou médio prazo.
(não
conseguem botar os pés no chão: nem a pau, seu Juvenal.)
Atualmente já
tem gente manipulando ondas escalares, energias sutis, entrelaçamentos
quânticos, drones indetectáveis; porém os “marxistas ortodoxos” e os
“positivistas lógicos” continuam estagnados epistemologicamente no século
dezenove: apegados a uma "pseudo-ciência" impregnada de limitações
perceptivas e castrações cognitivas.
***
“Arte pela arte” é uma armadilha “ideológica”
em que muita gente boa já caiu. Pois tudo é ideológico, no frigir dos ovos.
Toda estética tem um fundo ideológico, mesmo que o próprio artista não queira
que tenha.
Reconheço que a relação entre arte e ideologia
foi sempre uma relação infernal; e que a ideologia é mais poderosa do que a
arte. Mas há também artistas que recusam-se a abordar as relações de poder (ou
as relações de produção), e os mecanismos de dominação, na sua arte, por
esperteza existencial ou por cooptação propriamente dita. Uma vez que está
preocupado principalmente com o sucesso, a fama e o dinheiro. Está afundado num
egotismo horroroso. Então usa alguma variante de “arte pela arte” pra evitar
uma abordagem politizada “à esquerda”. Alguns chegam inclusive a desenvolver
variantes “escatológicas” despolitizadas, pra disfarçar a cooptação ideológica.
Por esse caminho, alguns chegam a defender uma posição semelhante à “merda pela
merda”: o que seria também uma variante de “arte pela arte”, já que a
anti-estética é também uma estética.
Quando eu falo em arte “engajada”, não estou
falando de prioridade para a ortodoxia marxista ou para o anarquismo radical.
Estou falando de “senso crítico” (social ou existencial), e “ampliação
perceptiva”. Mas não prioritariamente calcados nesta ou naquela ideologia
“unilateral”. Ou melhor: é possível ser politizado sem ser panfletário.
E também o seguinte: eu mesmo nunca me
posicionei contra as experimentações no formato, no estilo, na linguagem, na
estética, etc. Pelo contrário: sempre lutei por liberdade individual e
distribuição de renda. Mas confesso que me preocupo mais com o leite das
crianças do que com o “auge individual” dos semideuses do estilo e da forma.
***
Eutanásia e suicídio são diferentes: é óbvio.
Mas a eutanásia, às vezes, parece um tabu
maior do que o próprio suicídio.
E ninguém tem coragem de falar nos altos
lucros da indústria farmacêutica, que sempre quer prolongar artificialmente os
últimos suspiros de “vida e dor”, até onde for possível.
(é manipulação financeira da dor prolongada
dos moribundos.)
O papa Francisco declarou apoio à
“flexibilização” da lei sobre eutanásia (específica para os casos considerados
irreversíveis). Mas o tabu continua. E os apoios do cristianismo, em geral,
costumam ser tímidos. Então os médicos “carniceiros” e a indústria farmacêutica
continuarão manipulando a hora da morte e a dor prolongadas??
Eu mesmo não gostaria que manipulassem, e
prolongassem artificialmente, os últimos dias da minha vida, se a morte se
revelasse inevitável a “curto” prazo. Minha preferência seria mesmo uma
eutanásia o mais rápido possível. O que seria, sem dúvida, um grande alívio.
Mas é preciso prestar muita atenção no
seguinte risco: a “banalização” da eutanásia: este é que é o grande risco dessa
história. Pois é preciso que tudo seja planejado com muita responsabilidade.
Não pode ser de qualquer jeito, a “bel-prazer”, em qualquer momento.
No entanto, se uma real necessidade de
eutanásia, a curto ou médio prazo, revelar-se inevitável, eu não ficaria
esperando indefinidamente pela “bondade” da indústria farmacêutica e dos
tribunais, enquanto a “dor da vida” continuaria. Nesse caso, então eu mesmo
faria o “serviço”, e assumiria o suicídio publicamente, através de uma carta
deixada no local da “auto-eutanásia”.
Porém isto não é uma defesa do suicídio: seria
apenas um abreviamento da “dor da vida”, se a morte, a curto ou médio prazo, se
revelasse irreversível.
“Morituri
te salutam”.
***
Amor e
ódio, ou luz e treva, são lados de uma mesma moeda. NÃO SÃO DUAS MOEDAS: apenas
os lados se alternam e se misturam. Tudo existe aos pares. são díades. Amor e
ódio são uma coisa só: uma bipolaridade. É dialético.
(onde tem
amor tem ódio.
o tamanho
do ódio é do tamanho do amor.)
Porém a
criatura humana precisa usar o autogerenciamento para trabalhar uma hegemonia
da luz sobre a treva, ou da paz sobre a guerra, mas sem querer extinguir o
ódio, e nem a guerra, ou seja: sem extinguir um dos pólos da “díade”. E também
o seguinte: o ódio e a treva têm uma função, dentro da bipolaridade, dentro do
jogo dialético: na dosagem certa, na hora certa, E POR UM MOTIVO JUSTO. Mas têm
que ser bem administrados pela consciência: pelo que Freud chamava de
"autossublimação não-repressiva":
força interior e discernimento intuitivo, ao mesmo
tempo.
Portanto:
a paz e a guerra, o amor e o ódio, a luz e a treva, continuarão se alternando e
se misturando por toda a eternidade. Ou melhor: a alternância e a mistura de
opostos é uma lei cósmica.
Um
“entrelaçamento quântico”.
***
A morte é um “contínuo cósmico bipolar” (vida
e morte como lados de uma mesma “moeda”). Um fenômeno que acontece em determinada
altura de um “locus” na curvatura do espaço-tempo. Enquanto o Universo continua
em expansão.
Mas a vida sempre ressurge do “nada”.
Vida e morte irão alternar-se eternamente,
como lados de uma mesma bipolaridade cósmica. E o “ego individual” precisa
aceitar o fato de que é apenas uma fagulha passageira, um epifenômeno de uma
fração de segundo.
A grande vantagem da morte talvez seja
facilitar a diversidade genética nos mamíferos. Pois uma maior quantidade de
diferentes genes parece ser um fator fundamental para as mutações benéficas. E
se a vida ressurge com novas possibilidades cromossômicas, depois da morte,
então teremos uma maior probabilidade para novas variações “mutantes”.
Bactérias (procariontes) não morrem:
autoreproduzem-se a partir de si mesmas, desde os primórdios do universo,
fazendo clonagens de si mesmas (e conseguem um pequeno acréscimo de DNA extra
após a divisão binária). No entanto, têm mais dificuldade para diversificar os
próprios genes, que são repetidos indefinidamente, até certo ponto.
Aceitar a existência do fenômeno da morte é
como aceitar a inevitável existência do lado B numa bipolaridade. Mas esse
“reprocessamento” psicológico é um mecanismo mental muito difícil. A percepção
humana, desde os australopitecos, vem “penando” muito pra enfiar essa verdade
nos ossos cognitivos. No tutano das medulas.
E a Tanatologia é uma ciência jovem que dá
sinais de que serão difíceis os avanços específicos nessa área, tão espinhosa e
sombria.
***
Quando eu defendo a castração química para pedófilos
e estupradores, eu não estou defendendo, por tabela, a “censura em geral”. Por
um motivo bem simples: na ARTE deve haver liberdade “total”, desde que seja
implantada a classificação por faixa etária, e o gerenciamento de locais
específicos para maiores de 16 anos.
Evidencia-se que o aspecto mais polêmico dessa
questão é o “trauma” que pode ser causado em crianças e pré-adolescentes, pois
o “trauma”, quando é grande, ao invés de estimular a “expansão da consciência”
e da “visão crítica”, pode, ao contrário, TRAVAR psicologicamente o início da
ampliação perceptiva e do senso crítico.
LIBERDADE TOTAL, NA PRÁTICA, é um factóide.
Que às vezes é defendido, equivocadamente, por setores “extremistas” e
“autodestrutivos” da herança contracultural, ou assemelhados. No caso da
literatura, por exemplo, seria necessário colocar na capa do livro o aviso da
faixa etária.
Ah, sim: a pedofilia de Maomé, e de certos
padres, ou artistas “desgovernados”, não está fora dessa discussão: eu não
tenho medo de “fascistinhas” ou “totalitários” disfarçados de profetas ou de
“santos absolutamente sublimados”; ou de “bandidinhos individualistas”
disfarçados de artistas transgressores.
E o lance mais inteligente seria o seguinte:
na VIDA REAL, é necessário que haja limites ao lidar com “o outro”.
NA VIDA REAL e no TRATO PESSOAL. Mas não na
ARTE (desde que sejam tomadas algumas precauções específicas com as diferentes
faixas etárias, como eu falei anteriormente.)
Tá certo??
***
Sou EU quem decide as minhas dosagens de
liberação e sublimação.
Quem decide sou eu, e não a “ortodoxia”
contracultural. OU o fundamentalismo bíblico. OU qualquer trambolho ideológico
que funcione como bula cultural engessada.
Com essas “bulas” funcionando como “conchas”
fechadas em si mesmas, excludentes entre si, fica muito difícil, e perigoso,
fazer uma opção individual por determinadas dosagens de combinação entre
diferentes aspectos positivos de cada uma.
E também o seguinte: se você optar por
costurar uma “colcha-de-retalhos pessoal” com diferentes nuances de vários
campos, ... você será declarado inimigo por todos eles.
Pois cada “campo” julga-se “dono da verdade”,
e não aceitará a opção por uma “colcha-de-retalhos” individual. É como se
estivesse implícito que cada pessoa precisa sentir-se na obrigação de escolher
um deles, e fechar-se nele.
Portanto: minhas dosagens pessoais não podem
ser decididas pela bula contracultural, ou marxista, ou bíblica, ou
“positivista”, etc: (quando funcionam mentalmente como bulas “engessadas”; e
determinados aspectos tornam-se “dogmas”).
Então quem decide sou eu, OBVIAMENTE.
(enquanto o nosso país for democrático, mesmo
dentro de certos limites.)
***
O centro da questão da violência não é a “paz
absoluta”; nem
“violência zero”.
Paz ABSOLUTA é morte, ou estado vegetativo. É
paz de cemitério.
No caso da criatura humana, e da condição
terráquea, é necessária alguma dosagem de violência, direta ou indireta, na
luta pela sobrevivência, como forma de AUTODEFESA.
Na verdade, a “paz absoluta” é usada como uma
estratégia de dominação psicológica contra inimigos ideológicos, E TEM SIDO
USADA PRINCIPALMENTE POR FALSOS RELIGIOSOS E FALSOS MORALISTAS, através de uma
pregação ancestral que confunde bondade com idiotice, ou sapiência com
escapismo. Propositalmente ou não.
(Porém o anarquismo pacifista também usa, às
vezes, o pacifismo ABSOLUTO como um “factóide”. Mas... atenção, muita atenção:
nem todo anarquismo é pacifista.)
Então... quando um indivíduo está assim
“espiritualmente” dominado, ele já não consegue lutar PARA SE DEFENDER. Torna-se
incapaz de se defender, e torna-se um “inimigo” psicologicamente NEUTRALIZADO.
Mas há quem diga que isso constitui um tipo de “iluminação”. Um estado muito
evoluído da consciência.
Estão confundindo “alhos” com “bugalhos”?? OU
estão apenas cinicamente exercendo dominação mental sobre o outro??
Mas variam os motivos pelos quais é NECESSÁRIO
usar alguma dosagem de violência, como LEGÍTIMA DEFESA. Então, ao invés de
negar a utilidade de dosagens de violência, vamos avaliar lucidamente, e sem
filtrações ideológicas maldisfarçadas, a justeza ou o engano dos referidos
motivos.
***
Usar o “suicídio branco” contra a “normose” é
uma tática existencial que está ultrapassada, e “desmascarada”. Mas é preciso
dizer, e repetir, que o fundamentalismo bíblico também está começando a ser
“desmascarado”, e ultrapassado por outras propostas de novas religiosidades.
Antes tarde do que nunca.
A passagem do tempo mostrou também os aspectos
negativos da contracultura “suicida” (quando é “suicida”), e do fundamentalismo
bíblico também, nas suas diferentes variantes.
De maio de 68 até maio de 2018 passaram 50
anos. Foi tempo bastante pra que os diferentes aspectos dos dois lados de cada
um desses referidos campos “ideológicos” emergissem à vista de todo mundo. (só
não viu quem fez questão de não ver; de um lado ou de outro.)
No caso específico da criatura humana,
evidenciou-se que o “meio-termo”, o “caminho do meio”, parece adequar-se melhor
à esta criatura específica. Tou falando do autogerenciamento de dosagem e
freqüência no uso de substâncias e comidas “carregadas” (no sentido geral); e
da ampliação erótico-sexual também. Cada organismo é uma realidade pessoal
diferente, com suas especificidades.
E aqui então é necessário fazer uma importante
“ressalva”: não se trata de interferir na liberdade individual de ninguém.
Trata-se apenas de uma discordância quanto a usar o “suicídio branco” como uma
BANDEIRA cultural.
Mas as dicotomias e maniqueísmos mútuos
permanecem. Há “fanáticos” egóticos e “ditatoriais” nos dois campos, que
insistem na manutenção de extremos específicos contra o autogerenciamento
responsável da liberdade individual: diferentes “extremismos” dicotômicos no
lado “A” e no lado “B”. Enfim: cada um que administre os limites do seu corpo,
à seu modo pessoal, usando sua força interior e seu discernimento intuitivo.
***
O maniqueísmo mútuo entre
artistas e guerreiros parece eterno, e incurável. Até mesmo o mínimo diálogo,
por menor que seja, mesmo dentro de limites recíprocos, parece impossível.
É dicotomia e estreiteza egótica nos dois lados
... até altas horas. Os guerreiros são tão necessários quanto os artistas. No
fundo do fundo, no frigir dos cocos, somos todos guerreiros, de uma forma ou de
outra. Ou estrategistas, de um tipo ou de outro. A postura unilateral e
dicotômica, em qualquer um dos dois lados, é um alicerce das limitações
perceptivas. O ego se alimenta de extremos e dicotomias, de um lado ou de
outro. Não importa qual lado você escolher; se escolher de forma unilateral e
maniqueísta.
O poeta é o bem e o guerreiro
é o mal??
é assim??
Queria eu que fosse assim tão
simples. Mas a vida é complexa e multifacetada. Os artistas não são, A PRIORI,
melhor que os guerreiros. E vice-versa. Tudo é relativo sob a condição humana e
terráquea.
Demonizar TOTALMENTE os
guerreiros, e endeusar TOTALMENTE os artistas: seria a última fronteira do
maniqueísmo mútuo, da unilateralidade dicotômica, estreita e “totalitária”. E
se você tentar o diálogo com os dois lados (um mínimo de entendimento
recíproco), você será declarado inimigo pelos dois, e entrará num fogo cruzado
insuportável. Fatal.
E tem outro imbróglio
terrível nessa história trágica: generalizar conclusões. Acreditar que TODOS os
guerreiros são “vampiros fascistóides”, ou que TODOS os artistas são
“individualistas pirados”. Generalizando “pré-julgamentos” e bulas engessadas,
DOS DOIS LADOS.
Durma-se com um barulho
desses.
***
O positivismo lógico, a abordagem pan-racional
ou um esquema mental semelhante, quando funcionam como uma bula “engessada”,
impõem limites à expansão da consciência e ao aprofundamento da introvisão: não
há mais dúvidas em relação a isso. Atua mais como uma “camisa-de-força”
epistêmica do que como um estimulador da ampliação perceptiva. Mas a Filosofia
Quântica e a Visão Holística não têm resposta pra tudo, nem querem substituir a
hegemonia da ferramenta “lógico-quantitativa” dentro das universidades. Pois
sabe que as simbioses, sinergias e conjunções de fatores são mais importantes
do que a supremacia de um campo-de-conhecimento sobre outros campos (diferentes
tipos de “ciência”). Estou falando de “PLURALISMO EPISTEMOLÓGICO”, obviamente.
Por fim, tem esse problema de como inserir os
diferentes tipos de luta dentro das diferentes filosofias, já que algumas delas
“escapam” da luta-de-classes e de outras lutas específicas. Além de que o
marxismo ORTODOXO sempre foi caudatário de uma visão próxima ao “positivismo
lógico”, e assemelhados. Mas o futuro pertence à complexidade multifacetada,
acredito eu.
Portanto vamos mandar a nossa bola “rizomática”
pra frente. E sair da defensiva, mas sem querer implantar novas bulas
totalitárias e castradoras, ou reinvestir no “amor incondicional politicamente
à direita” (velha tramóia).
BALA PERDIDA.
(novela curta ou conto
longo:
experimental)
........................................
Eu estava descendo a
Ladeira do Bagaço quando escutei dois tiros. O primeiro passou longe de mim,
mas a segunda bala passou assobiando perto do meu ouvido direito.
Me deitei na calçada,
e escutei mais duas balas descendo a ladeira, sibilando.
Até hoje não sei, com
certeza, se fizeram pontaria em mim, ou se tudo não passou de algumas balas
perdidas atravessando o bairro do Tengulengo.
Eu morei nesse bairro durante um ano e
meio. Aluguei um segundo andar em uma casinha legal por um preço módico, (com
quintal, terraço e escada em espiral); mas aconteceram mil e uma “guerrinhas”
durante esse ano e meio. E eu decidi sair. . Voltei
pru interior (pra morar com um tio).
Eu já estava aposentado e divorciado, mas
estava também envolvido num “tico-tico-no-fubá” infernal: um casinho cheio de
supercomplicações e altos riscos.
E pra completar com
chave deouro: ... corriam boatos e zunzuns ,sutis, de que um milíciano do
bairro vizinho havia assassinado um major da PM.
Difamações, injúrias,
calúnias, fofocas venenosíssimas, etc.
Quando decidi alugar o
segundo andar do referido ”bangalô, no bairro do Tengulengo, eu já estava bem
pertinho de me aposentar. E realmente não esperava encontrar tanta “guerra”
naquele bairro, que tinha fama de ser um bairro tradicional e calmo. (eu estava
precisando urgentemente de paz e sossego; porém encontrei grandes guerrinhas
“rocambolescas” mais uma vez na minha vida.)
Pra falar a verdade,
eu estava, literalmente, envolvido no meio de um campo de batalha altamente
fatal: correndo o risco de uma “sanguinolência” imprevisível; fuderosa; cujo
campo de batalha era encabeçado pelas seguintes figuras tenebrosas e
sanguessugas: a Vampira, o Caseiro, o Sargentão (do exército), o Burguesão, o
Aviãozinho, a Advogada, o Taxista, a Garçonete, a Beata, o Hippie (primo da
Vampira), etc. (incluindo outras personas “non-gratas”, e secundárias; das
quais falarei no decorrer da narrativa.)
O CIRCO JÁ ESTAVA BEM
PLANTADO, E COLORIDO.
---------
A Vampira era mesmo
periculosa (e botava pra derreter). Se você vacilasse, ela sugava até o tutano
das almas.... PURAS.
De vacilo em vacilo,
duma hora pra outra, o meu cartão poderia explodir, e o cheque especial também;
e até o crédito com os agiotas. Na sarjeta.
Então esse lance de
iniciar um “casinho” com uma sanguessuga dessas foi mesmo uma enorme bobeira.
Negócio de vacilão. Até porque o corpo dessa coroa já não era o mesmo: a cara
da doida estava começando a ficar velha, cheia de rugas. Os peitos começando a
cair. A bunda também já estava derrubada. Com meio mundo de estrias e pelancas
espalhadas por todo o corpo. E a doida tornando-se, a cada dia, mais neurótica
e agressiva.
Porém o que me atraiu
pr’aquele lugar fatal foi um sítio abandonado pelo pai dela, um Burguesão
falido. Era um terreno grande e cheio de frutíferas, que ficava localizado
quase em frente ao “bangalô” da coroa maluca, NO OUTRO LADO DA PISTA. E eu
comecei a cair no sonho de ganhar dinheiro arrendando aquele terreno, pra
plantar feijão, milho e criar bode. Foi uma derrapagem grande: com o passar do
tempo, fui afundando numa areia movediça vampiresca fuderosa. Com mil
vampirinhos ao meu redor; cada um mais sedento de sangue do que o outro.
***
Eram muitos os fatos
periculosos que aconteciam nos arredores daquele bangalô dos diabos. Por
exemplo: o pai da Vampira, o Burguesão falido, era “suspeito” de gerenciar uma
boca de fumo (ou talvez “crack”... também), nos arredores da Rua do Bagaço;
e o Caseiro atuava
como “avião” e “cegonha” para os negócios da suposta “boca”; assessorado pelo “Hippie” (irmão da coroa desmiolada, que
fumava dez “beques” todos os dias, junto com o caseiro: um “murrão” de duas em
duas horas).
Até aí tudo bem. Pois
estamos no campo da liberdade individual e do foro íntimo. O problema era que,
freqüentemente, os dois queriam, ou melhor: “EXIGIAM” que eu comprasse maconha
pra os dois, usando um clima de “coação” e pressão.
***
Eu sempre fui um mero
usuário eventual. Nunca fui de fumar muito nem beber muito. (De cocaína eu não
gosto: eu uso guaraná-do-amazonas pra cortar o sono; e ginseng pra estimular os
neurônios. Cocaína é uma droga de ego. Droga de burgueses e generais; e eu não
sou burguês nem general. Sou apenas um pobre poetinha atormentado.)
E eu queria apenas
usar alucinógenos de vez em quando, numa praia, num show, num sítio; em algum
evento artístico, ou pra catalisar a criação literária. Eu não estava nem um
pouco a fim de cheirar cocaína todo dia, ou botar um selo de ácido embaixo da
língua com freqüência.
***
O Sargentão era quem
fazia a proteção da “boca” (botei a
palavra “boca” entre aspas porque,
naquele momento contextual, eu ainda não tinha certeza se havia mesmo uma
comércio ilegal funcionando próximo à
Rua do Bagaço).
SE havia “boca”, ... a
comissão do Sargentão era, provavelmente, algo em torno de 20 % do “lucro
líquido” da “pequena empresa” de substâncias ilícitas. O que não era pouco;
pois se o lucro mensal fosse de trinta mil reais, o Sargentão levaria 5.000
reais de uma vez. Na “maior”. Sem falar que o lucro mensal, líquido, freqüentemente
poderia ultrapassar os 35 mil reais.
E o Sargentão
corrompido tinha um patrimônio “milionário”; pois também dava “proteção” a um
grupo de tráfico de armas no Tengulengo.
(Nunca me associei ao
tráfico de nada. De porra nenhuma. Nem de cigarro paraguaio. Eu queria apenas
curtir um pouco, e catalisar a criatividade literária.)
***
A “Beata” era parceira
da Vampira na administração do lar. As duas eram “dirigentes” de uma igreja do
Santo Daime no bairro do Caracutá, a uns 9 km do Tengulengo.
Cozinhavam juntas.
Fumavam juntas. Dormiam no mesmo quarto. Às vezes pareciam um casal... mas,
realmente, não eram um casal. (sob os olhos “vermelhos” do caseiro cagão).
Lá no primeiro andar,
eu não estava nem um pouco preocupado com o que eles conversavam e planejavam.
Eu ficava tranqüilo na minha rede, lendo um bom livro. Ou tentando escrever.
***
O Caseiro, corno
jovem, vivia tirando onda com a minha cara. (Loas. Fuleragens.)
Num certo dia, cheio
de ódio nas tripas, eu peguei uma machadinha e partí, de “viking”, pra cima
dele. ... Mijou nas calças. Deu tremura e calafrios,
Foi uma confusão
danada. Ele ameaçou chamar a polícia. E eu queria mesmo que a polícia viesse:
pra ver as duas cadelas dele passando; e ele dizendo que quem estava
maltratando os bichos era eu. Mas a polícia não vêio.
E ele continuou
insistindo , num tom meio agressivo, pra mim continuar comprando a ração dos
bichos. Uma ração cara. Ração de cachorro de madame. Enquanto a “caverninha”
continuava fervendo, e algum troço ainda mais grave poderia acontecer “duma
hora pra outra”.
***
E tem aquela velha
história de que, no mundo das artes, é inevitável os contatos com viciados,
semiloucos, promíscuos, medianeiros egóticos, bandidinhos individualistas
usando máscaras de dramaturgia rebelde, etc, etc. Eu mesmo sou um semilouco
promíscuo; embora não seja viciado nem artista egolombrado. Mas eu tento
exercer essa promiscuidade com responsabilidade (faço um esforço sincero).
Então às vezes é
preciso saber driblar, e fazer um jogo de cintura na luta pela sobrevivência, e
no envolvimento com diferentes tipos de individualistas obcecados por fama e
glória individual. O que nem sempre é possível.
***
O “Hippie”, primo da
Vampira, era, na verdade, um preguiçoso metido a artista. Um canalhinha
individualista disfarçado de artista transgressor. Um zé bostinha medíocre que
acreditava piamente que é um gênio das artes. Um caso grave de automitificação
obsessiva.
Ele e o pai da Vampira
moravam na casinha do terreno “abandonado”, que havia passado por uma reforma
recentemente; era uma casinha limpa e cheirosa: mais ou menos. No entanto, os
dois não cuidavam do “sítio” no terreno: tudo , na parte do “sítio”, parecia um
grande lixão, e o Caseiro era muito preguiçoso e enrolão: talvez isso fosse
proposital: uma estratégia para esconder substâncias ilícitas, “aviões” e
“cegonhas”.
***
A Advogada era filha
da Vampira. E neta do Burguesão, obviamente.
Era uma jovem advogada
recém-formada, e que ainda não tinha adquirido a carteirinha da OAB. Vivia
estudando pra concursos, mas não conseguia ser aprovada em nada. Nem pra
auxiliar administrativa da prefeitura do Balacubaco.
Ela não morava com a
mãe; e fez o curso de Direito numa universidade particular mixuruca. (parecia
uma cabecinha cinderélica meio babaca, que vive sonhando encontrar um marido
rico, e ganhar muito dinheiro com a advocacia.)
***
A Garçonete era
vizinha da Vampira: a vizinha do lado direito. Era uma espécie de “sub-gerente”
num grande restaurante chique da alta-classe-média.
Tinha fama de
catimbozeira. Mas era umbandista, e não fazia catimbó.
Ela gostava de
conversar comigo. E tentava acompanhar aqueles papos “esquizóides” sobre
filosofia quântica e psicologia transpessoal.
Era pra derreter
neurônio de dragão, aqueles papos no domingo à tarde após o almoço.
Fofoca também é História.
“Eu aumento... Mas não invento.” (como dizia o velho
côrno Nelson Rubem.)
***
O Taxista era um
fanchono que enrabava o Hippie, que era bi; e esse Taxista enrabava também a
“Beata”, que era uma rabeira notória.
Então o cara tornou-se
meu amigo. E eu, de vez em quando, ligava pra ele, e o contratava, quando havia
alguma urgência que necessitava de uma resolução rápida.
Ele também é
funcionário aposentado; do Estado. (começou a trabalhar com 20 anos, e
aposentou-se com 35 de contribuição.)
***
O “Aviãozinho” atuava
na área do bairro vizinho: o charmosíssimo e tradicionalíssimo bairro da
Rabinolândia. Era muito amigo do Caseiro: esses dois cornos jovens, juntos,
viviam azarando putinhas de 18 anos (ou de 14) ... nos arredores da Rabinolândia.
Era uma
“drupa-de-dois” da promiscuidade desmiolada. E eu estava numa fase em que
estava ficando, a cada dia, mais difícil pra mim exercer essa “promiscuidade”
razoável, conseguindo manter-se nos limites da “redução de danos”.
**
O Burguesão era um mistério
insondável. Alguma subespécie de sacerdote “daimesco”, ou guerreiro “druida”.
Havia morado 10 anos em Macapá, com uma das filhas, ... onde comandava uma
igreja “daimista” em algum subúrbio da área metropolitana macapaense.
Estava sempre muito
bem vestido. Roupas caras. Perfumes franceses.
E dinheiro sobrando
para a gasolina e os táxis, eventualmente. E para as putinhas de 18 anos
também.
***
Tenho dito... publicamente. Às claras. Pra quem quiser
ouvir.
Quem liga pra o 190 sou eu, porra. Até porque eu sou
apenas um “usuário eventual”; e não um viciado propriamente dito.
Quem é viciado, que segure seus “óvos”, ou a sua
“coleira”.
***
Os meus pais
continuavam afundados num sanguinolento conflito de gerações; apesar de eu já
estar me aproximando dos 60 anos. Um “tendéu” molambento da Horda de Ouro.
Incontáveis grupos de tártaros, ciganos e tocarianos descendo a ladeira da
Misericórdia, embolando e uivando, na direção da cidade de Póvoa do Varzim.
Daí pra frente, minha
vida transformou-se num verdadeiro inferno do Calangutango e da Febre do Rato.
Duma hora pra outra,
randomicamente, imprevisivelmente, poderia acontecer algum trambolho
fuderosíssimo. Fodástico. ... Cabeças rolando nas escadarias. Tripas penduradas
nos postes. Manchas de pus e sangue nas calçadas dos “bangalôs”.
Uma alienação parental
da Perna Cabiluda e da “Nêga Procurando Tu”.
Um “rôlo” muito
venenoso e abissal. Ou até mesmo um Terecuteco do Bolofedô.
---------
E o labafero
periculoso continuava cotidianamente no bairro do Tengulengo:
a Vampira querendo o
meu escalpo. E sonegando informações sobre a situação financeira da família.
Exigindo sempre que eu arcasse também com as despesas do térreo: ÀS VEZES
NUMCLIMA DE “COAÇÃO”, OU ALGUM TRAMBOLHO MUITO PARECIDO:
o conserto do carro, a escada espiral, a
cesta básica, as ferramentas agrícolas a serem usadas no “terreno”, o fogão, o
botijão, a ração dos bichos, os canos, etc, etc...
E havia também a
ciumeira geral. Porém... tava todo mundo transando com todo mundo; mas mesmo
assim havia “cobranças”. E brigas.
Enfim: foram vários os
rastros de sangue, as “guerras civis” e os imbróglios purgatoriais.
Quiprocós, labaferos,
picuinhas, rasteiras, golpinhos, egotismos, tendéus, vampiragens, etc, etc.
Até que, num certo dia
nublado e de chuva fina, ...
... eu estava descendo
a Ladeira do Bagaço quando escutei dois tiros. O primeiro passou longe de mim,
mas a segunda bala passou assobiando perto do meu ouvido direito.
Me deitei na calçada,
e escutei mais duas balas descendo a ladeira, sibilando.
Até hoje não sei, com certeza,
se fizeram pontaria em mim, ou se tudo não passou de algumas balas perdidas
atravessando o bairro do Tengulengo.
...
E eu já estava cansado
daquela putaria generalizada, daquelas rasteirinhas neurastênicas voadoras,
daqueles golpinhos invisíveis a olho nu; mas porém bem visíveis embaixo de um
microscópio... eletrônico.
Então me bateu uma
fissura urgente pra sair daquele lugar sombrio o mais rápido possível. Eu
estava decidido a sair daquele purgatoriozinho invisivelmente. Tomei um banho
rápido, troquei de roupas, e apronte a mala.
Fui no mercadinho... e
comprei Erva Doce e Camomila.
Fiz um chá bem
docinho. E apertei um “bêise”, fumando o mais rápido possível.
Preparei rapidamente uma mala
pequena... e saí dali correndo. Muito ligeiro. Para a
planície frutífera do Inferno das Quengas. Lá no tutano bestial do "istopô
dos calangos",
PRA
ENFRENTAR OUTROS TIPOS DE GUERRINHAS “EXISTENCIAIS” E “EPISTÊMICAS”. Parentais.
...
FUI.
PRA NUNCA MAIS.
julho
2019.
NEM TUDO SÃO
FLORES NO
PAÍS DOS
ARTISTAS.
(novela superrealista
e experimental)
___________
PARTE 1
Conheci pessoalmente o famoso e badalado escritor Justino Fialho, conhecido na intimidade como JU. (uma estrela literária).
Ele era obcecado: tinha a mania fixa de querer “repetir” Balzac, ou ultrapassar as fronteiras literárias do Romantismo-Realismo Europeu (um estranho “complexo de francês”: como dizem os saudosíssimos poetinhas ex-comungados).
Mas eu sempre disse pra ele que a linha evolutiva que vai de Stendhal a Zola é uma linha curva oscilante, cheia de tsunâmis, abismos e imprevistos fatais. E ainda por cima insuficientemente politizada.
Porém...
assim tão transtornado entre o limbo e o purgatório, ELE nunca me deu ouvidos. Justamente eu que sempre repeti, pra ELE, à exaustão, os detalhes de entreveros sanguinários e mortais entre canônicos, regionalistas e “amaldiçoados”. Principalmente o sangue que rolou nas calçadas da Questão Coimbrã.
E não venham me dizer que eu estou escrevendo esse romance por inveja. Ou egolombra; pra me vingar da fama e do dinheiro dele, já que eu também sou escritor, mas sem nenhuma fama ou “pecúnia”.
Desencontrado e desnorteado entre grandes poderes, e afetos mínimos, EU estou, reconhecidamente, pra lá do sangue ancestral derramado nas serras frias do Planalto da Borborema desaguando no Açude do Bodocongó.
EU tou apenas querendo revelar algumas fofocas subterrâneas e titicas de bastidores. Contribuir para a evolução da consciência humana. E não querendo me vingar da glória individual, ou da fortuna, de fulano ou sicrano cooptados pela burguesia caucasiana dantanho.
Ju é um canalhinha egolombrado, um invejoso incurável. Um vampirinho individualista disfarçado de artista transgressor. Ele sempre viu a Literatura Marginal como uma concorrência a ser eliminada.
Tem sangue de degredado, e alma de corrupto neo-liberal, apesar da “escatologia” caótica que usa na sua literatura estreita, pra disfarçar seus pendores para o catolicismo sertanejo “à direita”, e angariar algum apoio ente a juventude “transviada”.
A tática é desviar das relações-de-produção. Jogar pra debaixo dos panos. Limitar. E usar uma certa dosagem de “escatologia” pra disfarçar.
Empurrar com a barriga, desviando.
Indisfarçavelmente “centro-direitista”, faz discursos de socialismo “fabiano” à centro-esquerda, mas baba os óvos dos católicos carismáticos, nos bastidores.
Tou dizendo isso depois que ele morreu, é verdade.
Mas ele escreve mesmo uma literatura “escatológica” insuficientemente crítica, evitando maiores detalhamentos dos meandros do Poder e das relações de produção, principalmente; e evitando também o aprofundamento detalhado das críticas social e existencial. Mas os problemas maiores são os plantadores de eucalipto transgênico e a majoração do preço do livro, incluindo os intermediários da venda de 80 páginas em formato pocket por 40 reais.
Eu, hein??
Babi era a principal amante no harém de Justino.
Elanor era a “esposa” oficial (sempre brilhante nas festinhas da elite potiguar).
Sou 12 anos mais jovem que Ju. Mas algumas vezes tomei umas boas carraspanas com ele nos barzinhos da classe média “intelectualóide”,
e sempre me embebedava antes dele, que aguentava muito álcool, principalmente uísque e conhaque.
Babí era esquizóide, e tinha surtos horríveis com frequência.
Mas eu nunca assediei Babí.
Quem assediou muito Babí foram os
vendedores de quimeras.
Os Quixotes e Peters Pans incuráveis.
Os “negativistas” unilaterais e autodestrutivos.
Justino nunca deu o cu. Nem chupou rôla.
Isso eu confirmo. É macho hétero.
Cabra da Peste. Patriarca nordestino fora de qualquer suspeita bi. Macho alfa. Aristocracia carne-de-bode. Elite católica da zona da mata. Grande intelectual dos simulacros do jornalismo cotidiano. Um bate-estaca medianeiro à sombra de Gutemberg.
Eu não era exatamente um amigo dele.
Eu tinha apenas uma certa aproximação, um trânsito, um diálogo.
Amizade mesmo, propriamente dita, é outra “coisa”.
Bebemos juntos várias vezes, principalmente no Bar do Mocó, à beira do pequeno açude da Praça Jararaca, próximo à Avenida Tabajara:
falando mal das feministas estreitas e das cinderelas incuravelmente “estereotipadas”.
E dos fanáticos por futebol também.
O meu uso eventual de maconha é “fichinha” perto do conhaque, do cigarro industrializado e dos energéticos de Justino. Sem falar no colesterol de bode, pelo qual tinha grande paixão. E os conservantes nunca foram uma preocupação diária pra ele. A maconha não é inofensiva, mas o que é mortífero mesmo é o acúmulo de gordura-trans, glicose, acidulantes, espessantes, álcool, picâncias, cinzas, etc.
Primeiro o enfarto. Depois a esclerose. Intoxicação geral do sangue. Reumosidades irreversíveis no tutano dos ossos. Degeneração progressiva geral. Enxugamento gradual das funções vitais. Deficiência paulatina do sistema imunológico até a hora da morte. Capitulação orgânica resultante de acúmulos e acúmulos.
Até aí tudo bem. Tá valendo a liberdade individual. A opção pessoal. Mas ele sempre foi contra a legalização da maconha, seguindo o rastro do conservadorismo existencial do catolicismo carismático. E outra coisa: quem me garante que ele não fumava a ganja escondido? A canábis estimula a criatividade artística e intuitiva. É um fato.
Quem me garante que ele não fumava eventualmente maconha pra catalisar a criação literária?
O projeto literário de Justino é um mero esquemazinho neo-balzaquiano.
E eu digo isso não por inveja, ou baba de Caim.
Não estou mesmo preocupado com as suas traduções em Paris ou Buenos Aires. Nem com as adaptações para seriados globais. Tou preocupado com simetria sintática, harmonia entre sílabas, costura de frases e parágrafos, ritmo, diversidade estética e estilística. Né? Né não??
Quem não lembra da ojeriza que o Mário de Andrade nutria contra o minimalismo? Pra dar um exemplo concreto, já que os “formalistas russos” gostam tanto de enfatizar o formato em detrimento da mensagem. E o “new-criticism” não gosta de abordagens intuitivas ou randômicas na literatura.
Mas o fato é que o cara descobriu a fórmula estreita para vender livros de 90 páginas a 40 reais. Principalmente para adolescentes de 20 anos que ainda não consolidaram o gosto pela leitura. A fórmula previsível dos concursinhos literários e dos departamentos de Letras neo-românticos. A baba neo-balzaquiana do complexo de francês. Xeleléu de monjas siririqueiras à centro-direita “monarquista”.
As sinecuras centristas são outro detalhe da vida de Justino do qual sempre tive alguma mágoa classista. Não foram poucos os momentos da juventude dele em que babou o ôvo da “centrodireita” açucareira ou da aristocracia sertaneja, em troca de empreguinhos e esmolinhas para a sua família, antes da fama e da riqueza. Como se não bastasse a cooptação neoclássica, ou o besteirol matutista, ou o misticismo fosfórico de padrecos reacionários.
Estilisticamente, ele às vezes parecia um perfeccionista medianeiro obcecado por “bulas” do romantismo francês quase-realista: endeusamento de Stendhal e Victor Hugo, ou Flaubert, enquanto desviava a parte mais aprofundada do detalhamento de dominações ideológicas contextuais, usando o argumento capcioso de que o auge da literatura ocidental é Balzac, e de que os escritores alternativos padecem de amadorismo literário.
Acusar os outros de amadorismo é o mesmo que desqualificar profissionalmente todos os que não se encaixam na sua bula “francesa”. Né não??
PARTE 2
Quando Justino chegou do interior na metrópole potiguar, ele já tinha 20 anos. Era o ano das graças de 1965, no começo do auge do destrambelho hippie. Conseguiu emprego rapidamente na Prensa Potiguar, como jornalista investigativo, através do tráfico de influências que sempre ocorreu entre a aristocracia “sertaneja” do Bodocongó e a burguesia açucareira do litoral Caeté e Tupinambá. Um toma-lá-dá-cá das antigas sinhá-zinhas e sinhô-zinhos. Venda de votos e simonias entre o besteirol matutista, o neo-classicismo balzaquianista e o centrismo quase-neo-liberal.
(nada de crítica impressionista à esquerda, nem jornalismo gonzo politizado. Tudo no cabresto do “genial” jornalismo literário e da gloriosa herança regionalista dos incontáveis matutos imbecilizados pela pregação repetitiva dos factóides carismáticos, academicistas e globais. Uma estranha mistura entre Ariano Suassuna e Machado de Assis?? Não sei.
Não tenho certeza.
Um imbróglio pós-mediavalesco das sibitas encantadas. Dos neurônios e genes do professor Stendhal e da desnorteada prosa altamente formosa do gerente Flaubert.
Enquistar-se ideologicamente num falso “estado-de-bem-estar” nunca foi exatamente a minha estratégia preferida. Sempre preferi táticas mais diretas, e menos “evanescentes”. Se é mesmo “centrismo” com estratégia “etapista”, então eu assumo imediatamente que é “centrismo”, ora, ao invés de ficar escondendo ou empurrando com a barriga, nos subterrâneos, a minha verdadeira opção ideológica. (é sintomático quando ele endeusa Machado e rebaixa Zola.)
Mas obviamente não se trata de repetir Górki, nem Stendhal, ou Ariano.
Trata-se de Literatura Marginal mesmo. PROPRIAMENTE DITA.
Nenhum artista gosta de repetir. Todos os artistas querem ser originais: criar algum troço que ninguém pensou em criar. Mesmo que seja apenas alguma variante de “primitivismo” literário bem-costurado, e mesmo que este ainda seja um enorme tabu periculosíssimo para o cânone ocidental e saxônico-francês, para os arremedos e macaqueamentos da sintaxe e fonética francesas.
O desprezo que ele sentia pela poesia prosaica, e pelo minimalismo, fez com que sempre “endeusasse” os romances, e desprezasse a poesia como um “sub-gênero” menor. Mas nunca teve coragem de assumir essa posição pessoal publicamente. Sempre escondeu. Porém o cinismo egótico dele é tão grande que, quando o Bob Dylan ganhou o Nobel, ele prontamente passou a elogiar a prosa poética e o ritmo subjetivo como grandes referências para a criatividade literária, em todos os jornais do Nordeste.
Na verdade, ele pensou que a Academia Sueca continuaria lambendo as botas do romantismo francês eternamente. Nunca pensou na possibilidade de que o “primitivismo” poético poderia algum dia agradar ao gosto tão “extraordinário” da pequena burguesia européia.
Nunca pensou na possibilidade de que os vikings suecos e ostrogóticos, mais uma vez, abrissem fogo contra saxões, eslavos e mongóis. Nem que os monjolos abririam outra guerra tribal contra os imbangalas.
Quem foi que disse que memorialística não é literatura??
Quem é esse “ego inflado” que anda dizendo que autoficção não é criatividade literária??
POIS ATÉ A TRADUÇÃO EXIGE CRIATIVIDDAE LITERÁRIA.
E somente os donos da verdade “epistemológica” ocidental, os joãos-sabem-tudo da mundanidade estética, não querem admitir essa verdade óbvia de que a técnica “poética” e a beleza formal também podem ser encontradas na memorialística e na autoficção.
E Justino era um desses “joão-sabe-tudo”, dono-da-verdade estética e sintática.
Mas também não estou dizendo que ele era exatamente um “caipira estreito” ou um egoísta excessivo ultra-acadêmico. Não era bem isso. Não era exatamente “matutismo besteirol” nem “gongorismo clássico” engessado.
Tava mais pra agente literário da aristocracia francesa. Especificamente. Ou jornalista poliglota da maquinaria dos potiguares abastados e misturados com tamoios novo-ricos. Ou da “rocambolesca” mistura entre armorialismo e classicismo. (estranha mistura: muito estranha mesmo.)
PARTE 3
Todos os escritores famosos e ricos têm o seu harém. Não há nenhuma novidade nisso. E Babí era apenas a principal do harém: nada mais que isso. Não tinha o direito de posar como digníssima esposa, eternamente fiel, nas rodas da elite sertaneja ou metropolitana, mas nem sempre era ela que habitava as camas de Justino.
Pois este fulêro estava sempre alternando suas “garotas de programa” ou sonhadoras românticas incuravelmente obcecadas por ele, pela sua fama de escritor maior, pela sua badalada e originalíssima criatividade literária, e pelo seu dinheiro também.
Todavia...
Babí era esquizóide. E Justino era bipolar. Elanor era uma madame muito séria, cuidando do assistencialismo filantrópico abastado.
São muitos os que fazem caridade para não fazer transformação social. – já disseram (mas eu não lembro quem foi).
Quando digo isso, não estou pensando em internar os dois. Estou apenas planejando narrar determinados aspectos da nossa realidade fudida, mas sem puxar a brasa para a sardinha da contracultura. Tentando ser o mais objetivo possível, mesmo sabendo que é humanamente impossível atingir a objetividade total.
E não me peçam pra falar sobre a pistolagem das adjacências do Bodocongó. Esta não é bem a minha praia. Me poupem.
Que relação tem essa fulerage com a “multiplicidade de eus”?? (com o rizoma da Cabriola Enfeitiçada??)
Por favor! Não insistam.
Ou vocês estão falando prioritariamente de grandes calangos na brasa e saramunetes no “iscabreche”??
Esse papo de pistolas pequenas, e Taurus mínimos, não cabe aqui. Se liguem.
Não tentem entrar na minha literatura dessa forma tão escroque, de fininho, mas com a rôla dura apontando para o buraco da família de Justino.
EPA.
Já chega!
Me esperem na entrada do Teatro da Crueldade Surreal às 24:15 HORAS.
(não narrarei nenhuma morte nesta novela “furibunda”, embora elas tenham acontecido,
as mortes.)
Sim, aconteceram. Foram quatro. Espalhadas por diferentes locais do velho Nordeste lascado e fudido.
Com a palavra, a família Fialho Potiguar.
Nessa época, eram muito frequentes os surtos e as brigas terríveis entre Ju e Babí: dentes e costelas quebrados, ronchas de todo tamanho e profundidade, pancadas grandes nos joelhos, etc. Elanor acompanhava tudo isso de longe, fingindo um autocontrole que não possuía.
Justino foi preso três vezes, sob acusação de misoginia agressiva e ameaça de morte, mas sempre pagava fiança, e logo estava de volta outra vez.
Este “casal” foi o mais problemático e terrível entre todos os que eu conheci pessoalmente. Mas eu desconfio, seriamente, que Babí estava incuravelmente apaixonada, e não conseguia sair do “colo” de Ju. (por mais que tentasse).
Enfim: eram dois temperamentos agressivos e imprevisíveis: o “pós-machismo” sertanejo de Justino e a esquizofrenia desmiolada de Babí.
HAJA SURTOS. Dos dois.
Mas eu vou sim falar alguma coisa sobre as atividades de pistolagem da família Fialho Potiguar no agreste-sertão (principalmente).
A quantidade de mortes executadas e planejadas foram poucas, é verdade. Mas havia sim um núcleo de “coitos” e execuções nesta família. Afinal, é uma família de grandes fazendeiros e lojistas abastados de todo o interior da Paraíba e do rio grande do Norte, e ninguém mantém uma determinada quantidade de poder, por muito tempo, sem usar alguma dosagem de violência, direta ou indireta.
Quanto à esquizofrenia, ela existia mesmo nos genes da família Fialho Potiguar, embora o caso de Ju fosse de Transtorno Bipolar, mais exatamente, e não de esquizofrenia propriamente dita.
Nesse lance, os pendores “esquizos” de Babí entraram “de revestrés”, através de pára-quedas.
Mas o bostinha do Justino sempre falou mal da “multiplicidade de eus”: o que, pra ele, é negócio de delirantes excessivos, como se ele também não fosse muito bom do juízo.
Pois é. Então tá.
PARTE 4
Reconheço que são muitos os “micróbios” da marginalidade literária atanazando a vida de Ju.
Esculhambando e ameaçando. Mas a maioria desses “micróbios” não são escritores, nem artistas, num sentido geral. São boêmios que fingem que são escritores. Escreveram quinze ou vinte textos curtos em 30 anos, e passaram a maior parte da vida afundados em vícios e preguiças mentais. Usufruindo do ambiente degradado dos artistas transgressores da alta classe média. Usando a luta contra a “normose” como desculpa para a sua “malandragem” autodestrutiva.
Eu mesmo tive alguns bate-bocas com Justino. Mas escrevi doze livros. É uma “obra”: ele não pode negar isso. Se ele negar, então vou dizer o seguinte: reconheço que o grande artista Fialho Potiguar “obrou”, mas está me “difamando”, me desqualificando, tentando eliminar a concorrência.
Reconheço que usei mais a intuição do que as técnicas sistematizadas pelas oficinas literárias do Setorial de Linguística do Departamento Quadrado.
E permaneço monoglota e autodidata. Mesmo assim, ele não pode deixar de reconhecer que eu também sou escritor. Acho que ele fez aqueles elogios à prosa poética “alternativa”, um pouco antes de morrer, apenas porque o Bob Dylan ganhou o Nobel de Literatura. E continuou acreditando que a minha literatura “marginal” é de quinta categoria.
Sou um escritor menor, reconheço, admito.
Mas na cabecinha egolombrada dele, ninguém atingiu o seu altíssimo nível técnico e criativo. Ninguém leu mais manuais de teoria literária do que ele. Ninguém domina a língua francesa melhor do que ele. Ele é o Super-Balzac.
O Graciliano do Bodocongó. E eu nem estou colocando o “neo-reformismo” nessa discussão especificamente técnica. Nem tampouco a “nova esquerda” do século 22.
O parque editorial potiguar não tem mínimas condições de absorver tanto doido, ou boêmio inveterado, fingindo que é poeta ou prosador. Porém a indústria de celulose e branqueamento de papel é outro papo.
Na verdade, nem existe parque editorial, grande e propriamente dito, em Natal. Tudo não passa de pequenas editoras sobrevivendo às margens das gigantes da editoração. E tudo filtrado por opções ideológicas ou “existenciais” da velha e ancestral burguesia natalense. Da logística editorial da elite litorânea nos antigos domínios potiguares e caetés.
O maquinário da prensa Potiguar ainda é quase gutemberguiano, e só agora, em maio de 2017, a equipe de jornalistas começou a publicar a versão digital. Uma demora que deixou em suspense muitos investigadores e bisbilhoteiros da velha “imprensa” tabajara.
PARTE 5
Justino tinha uma relação de subserviência com os escritores famosos do sudeste-sul. Na verdade, os escritores com alguma fama costumam formar panelinhas e redes em todo o Brasil.
Nos concursos e prêmios literários nacionais, funciona o velho “me cita que eu te cito”, nas colunas do jornalismo cultural, uma babação de ovos recíproca, uma troca de favores culturais E IDEOLÓGICOS. Contagem de votos na boca da urna. Jabá dos novos escribas proto-farisaicos. (quem manda é quem paga ingresso).
Mas eu não vou ficar blindando a “contracultura”, por essas e outras.
Afinal, sou assalariado, ou agricultor, e não “hipster”, ou “beatnik”. Ou neo-franciscano multicolorido. Meu compromisso é mostrar sempre a bipolaridade de cada fenômeno terráqueo. Os dois lados de cada campo “epistêmico”. Sem blindar ninguém. Não escapa nem o extraordinário “corcunda de notre dame”. Ou o Guru do Sacrequé. Não escapa ninguém, nem mesmo Jesus. Porque a Morte matou Tibério e matou Cristo também. Matou os dois.
E eu estou aqui arrombado e fudido, sob os terrores noturnos do império de Justino, o Grande, na travessia noturna de um infindável cemitério gótico e tártaro. Num vale de ossos e caveiras. Enfrentando vampiros e dondocas fatais da nova burguesia pampeira dos infernos do Sistema Patriarcal Caucasiano e Carolíngio.
Qué isso, meu povo?? Tão me estranhando??
Mas eu sei dos aspectos positivos da literatura de Justino, e sei também dos aspectos negativos da “contracultura”. Vejo os dois lados de cada campo cultural.
O nobre Ju tinha uma enorme capacidade de trabalho e esforço pessoal. Paciência e disposição pra usar e repetir o “buril” quando é necessário repetir ou desmanchar pra fazer de novo. Então ele consegue chegar no nível estilístico de um Balzac ou Flaubert, depois de muito esforço. Mas o conteúdo deixa muito a desejar quando o assunto é distribuição de renda, mecanismos de poder e transformação social, ou seja: a literatura como auxiliar das Ciências Humanas (uma missão mais importante que o aperfeiçoamento estilístico e a costura sintática, a meu ver). Embora haja, na literatura “justiniana”, alguns detalhamentos da problemática existencial e comportamental, às vezes numa abordagem escatológica. (Não esqueçam que o Kerouac, por exemplo, terminou como um católico politicamente “centrista”.)
Acreditem: eu não tenho a menor intenção de difamar Ju. Quero apenas botar alguns pontos em alguns “is”. Revelar algumas verdades da mundanidade literária brasileira que a maioria não tem coragem de falar. Por exemplo: indústrias de celulose e branqueamento de papel. Majoração do preço final do livro de papel. Problemas ambientais gravíssimos decorrentes das plantações de eucalipto transgênico. ETC.
Ele sempre dizia que esse é um problema antigo que não tem solução, que é melhor conformar-se e deixar tudo continuar assim mesmo. Na verdade, todos os que estão ganhando algum dinheiro com essa situação não querem mudanças. Mas as possibilidades para baixar preços são maiores com o livro digital, se a ganância dos editores que publicam em papel, e o ego dos autores, permitirem a livre existência de concorrentes digitais e um mínimo de abaixamento nos preços em geral.
Outra nuance da personalidade de Justino que me enchia muito o saco era a certeza de que ele era um gênio. Que a sua técnica, a sua criatividade e a sua importância cultural eram de nível muito superior, e estariam no patamar dos grandes literatos e pensadores ocidentais. Que a sua defesa da identidade étnica nordestina e do cânone ocidental eram superiores, tanto na linguagem quanto no enredo e na mensagem. Eu tenho minhas dúvidas, e preciso ter coragem pra falar sobre elas. Sem medo e sem ódio.
Pra mim, Justino, na verdade, é apenas mediano. Não é gênio.
Eu também não sou gênio, mas valorizo com sinceridade e desapego o valor da minha contribuição pessoal, tanto na Literatura quanto na Filosofia, incluindo a parte de sacrifício pessoal, além do trabalho pesado de escrever, revisar, pesquisar, repensar, etc. Por falar nisso, é bom lembrar que a Literatura de Tese nunca foi bem vista por ele. Mas até aí tudo bem: democracia é pra todo mundo: e cada um escolhe sua “igreja”. Numa boa. O problema é que ele é daqueles que estão sempre rotulando qual literatura é de primeira ou de quinta.
Pra ele, Victor Hugo é de primeira. E Bukowski é de quinta. Já eu não tenho assim tanta certeza dessa verticalidade imutável e eterna. SACOU??
Por esse mesmo raciocínio, Truman Capote seria carne de primeira, e Allen Ginsberg seria carne de terceira. SACOU??
Outro lance que me perturba muito é essa história de sempre colocar a técnica como mais importante que a intuição.
A técnica é um serviçal da intuição, e não o contrário. Se não é assim, acaba-se nos braços de um parnasianismo qualquer. A função da técnica é apenas o acabamento, os retoques finais. A intuição deve estar sempre no comando. Não sou contador de sílabas. Sou poeta.
Eu até reconheço a importância da sistematização teórica para os “iniciados”, no campo da poesia e da prosa (as famosas oficinas de criação literária, de iniciativa privada ou dos setores de extensão cultural das universidades e academias), que estão virando febre entre tantos jovens no início da juventude. Mas fazer da terminologia acadêmica a referência principal em todos os casos é um exagero exclusivista. Pra não dizer “eliminação da concorrência”; incluindo neste raciocínio tudo que brota e emerge diretamente do Inconsciente Coletivo.
E havia também os altos cargos comissionados exercidos em diferentes instituições públicas, como foi o caso na Pró-Reitoria de Pesquisa da UFRN, onde ele trabalhou como assessor especial durante três anos, com salário de 10 mil reais. Foi um tempo em que as suas elucubrações “existenciais” e linguísticas, junto com alguns sindicalistas do serviço público estadual, mais aproximaram-se do centrismo político e do cânone ocidental. Ele então, nessa época, circulava bem mais entre eminências pardas da alta burocracia potiguar e cearense do que entre poetas e escrevinhadores ficcionais. E seus desafetos não eram apenas do mundo artístico e cultural. Eram uma fauna bem diversificada, e incluíam tanto “micróbios” contraculturais quanto sindicalistas da velha esquerda marxista, em meio a uma fofocagem geral, muito perigosa, que algumas vezes desembocava em bate-bocas ensandecidos e brigas físicas (mais raramente).
Solidão nunca foi problema pra Justino, pois ele sempre estava cercado de bajuladores. E, como era um “vulgarizador” competente, que agradava ao leitor médio, nunca sofreu do suplício existencial dos pioneiros e antecipadores, nem sofreu as dores da pobreza, pois era filhote da classe média, e teve a sorte de fazer sucesso com o seu primeiro romance, ainda jovem, com 32 anos.
Mas a chegada da década de 80 trouxe um clima anticapitalista bastante acentuado, e os questionamentos comportamentais também começaram a esquentar e se ampliar, o que fez com que Justino, algumas vezes, passasse por maus bocados no enfrentamento com os “alternativos” e neo-engajados da década de 80, embora essas guerrinhas nunca resultassem em entreveros mais graves. As cantigas de escárnio que os micróbios “alternativos” fizeram pra Justino não se comparam, por exemplo, com a “carnificina” entre realistas e românticos na Questão Coimbrã, ou entre os formalistas russos e o realismo socialista.
Melancolia é, também, um prato que Justino nunca experimentou. Pois tinha um temperamento extrovertido e festeiro, que foi gasto com garotas de programa e “cachaçadas” infindáveis.
Uísque e putas de luxo.
Encontramo-nos várias vezes nos puteiros de Natal e Fortaleza, entre meados da década de 70 e o início da década de 80. Eu iniciando a juventude, e ele começando sua fase de adulto jovem. São lembranças medonhas, daquelas noites exóticas nas ruas antigas de duas velhas capitais. Lembranças cristalizadas em outra dimensão. Em outros momentos que não mais se repetirão.
A relação de Justino com a mídia em geral merecia um capítulo à parte, por tantos conluios centristas quase-neo-liberais, e tantos simulacros ideológicos e epistêmicos repassados através de factóides cotidianos e banais em papel ou “pendráives”. Mas sempre posando de bom católico. Em meio à biritagem e à raparigagem “clandestinas”, até começarem os primeiros sintomas de esclerose, quando ele chegou aos 65 anos.
Mas eu não vou fazer, aqui, mil arrodeios teóricos sobre a “sociedade do espetáculo” ou sobre jabás e “cooptações culturais”. Outros pensadores já fizeram. Há sistematizações à disposição. Eu não preciso detalhar aqui todos os meandros dos velhos e novos simulacros dos meios de comunicação em geral, com raras e honrosas exceções.
Sei que muita gente vai me achar presunçoso.
Como é que um escritorzinho “sem eira nem beira” tem coragem de atacar um grande escritor reconhecido e aplaudido em toda a América Latina? Então eu seria mesmo um autodidata presunçoso atacando um mestre em Teoria Literária? Seria por inveja ou loucura egótica?
Nem uma coisa nem outra. Eu estou apenas tendo a coragem de falar certas verdades existenciais e políticas. Não estou nem mesmo entrando numa disputa pessoal com Justino. Quero apenas contribuir com a luta cultural para desmitificar celebridades e unanimidades, que é uma luta geral, e não uma guerra específica contra determinada pessoa.
Não invejo a literatura de Justino Fialho. Mas reconheço que invejo o uísque escocês, as lagostas e as putas de luxo, embora eu prefira o licor de pitanga e o caldinho de polvo.
Entre Justino e Górki, eu escolho o Górki.
Entre Justino e Ginsberg, eu escolho o Ginsberg.
No fundo do fundo, Ju é um conformista. Um pessimista com pendores misantrópicos e misóginos mal-disfarçados. Seu catolicismo sertanejo e sua escatologia literária são oportunismos ideológicos. Estratégias culturais para manter privilégios pessoais e vantagens editoriais no centro do redemoinho dos “podres poderes” e tráficos de influências. Uma escatologia sem crítica social aprofundada, uma merdinha insuficientemente crítica, boiando na superfície dos limites neo-liberais e neo-clássicos, ou em alguma variante do novo simbolismo hermético. Pra mim, o “pessimismo conformista” é um dos “memes” mais poderosos. E ficou cristalizado na relação entre os cromossomos e os neurônios; na indecifrável relação entre Genética e Memética. É bronca pesada.
Truman Capote dizia sobre Jack Kerouac: “Ele não é um escritor. É um datilógrafo.”
Vamos admitir: é um desafôro da peste. Um descalabro da bobônica. Uma declaração de guerra. Mas eu vi, nos primórdios da década de 80, superdoutores dizerem que poesia marginal não é poesia. E diziam com muita convicção. De peito cheio.
Quer dizer: o amador sempre sou eu; o embusteiro. Os outros são profissionais. Sou eu quem sempre coloca a intuição acima da técnica, e isso é uma heresia inaceitável. Mas nós somos obrigados a achar tudo isso normal e recomendável para os nossos netos e bisnetos. É muito sapo-cururu pra ser engolido como o veneno mais doce e corriqueiro do mundo. Um sapão inchado, superdoutoral e ultratecnicista da gôta serena. Um estilo excessivamente meloso e um enredo excessivamente alongado, enjoadíssimo, mas que precisamos encarar e engolir como se fosse o auge da genialidade literária e metafórica. Profissionalíssima.
Convenhamos: na direção desse caminho, eu serei sempre, inarredavelmente, apenas um individualistazinho obcecado por experimentações formais e experiências pessoais incompletas, que mais atrapalham do que ajudam a massagear o ego das grandes e altas literaturas, pois a minha é apenas uma punhetinha experimental que nunca atinge o ápice dos grandes profissionais e homens sérios da literatura canônica ocidental.
Mas eu poderia dizer, parodiando Ginsberg: “Todo mundo é sério. Menos eu.” (mas não vou ousar dizer. Não vou perturbar o sonho altamente técnico dos grandes escritores. Me poupem.)
Então tá. Deixemos as intrigas poéticas e prosaicas no fundo do baú, ou embaixo do tapete, por mais corriqueiras que sejam, e cuidemos das nossas bulas egóticas generalizadas, e dos nossos pacotes artísticos que sonham transformarem-se em referências eternas e inquestionáveis. O curral dos outros. O inferno estreito e misoneísta dos outros.
Justino também atuou como assessor cultural (cargo comissionado) na Fundação Estadual das Artes do Rio Grande do Norte (FUNART-RN). Desconfio seriamente, com o coração aberto e tranquilo, que ele apossou-se de inúmeros cachês miseráveis de alguns poetas “alternativos”. Cachês de 500 reais, no máximo, durante festivais de cultura e arte no estado do Rio Grande do Norte, e no Ceará também, através de convênios. Eu mesmo perdi alguns desses cachês pra ele, nos meus gloriosos tempos de declamador. Uma mixaria que fez muita falta PRA MIM. Mas eu sempre procurei evitar confrontos DIRETOS com Ju, embora eu reconheça que guardei algumas mágoas e rancores “classistas”, por conta desse despautério de apossar-se de mixarias que não significavam nada pra ele, mas que eram fundamentais para a minha sobrevivência imediata.
Eu teria muito o que falar sobre a melancolia nos trópicos. Não sou eu apenas quem tem seus momentos de melancolia e acídia. Justino e sua herança genética também teriam muito a falar sobre estes dois assuntos espinhosos. Há momentos de altas glórias egóticas, efusivas, e há momentos de muita queda nos sonhos do ego pessoal, quando uma profunda tristeza, doentia, vem acompanhada de altas doses de culpa inconsciente ou, no máximo, semiconsciente. Numa hora dessas, qualquer “semideus” pode, de repente, afundar em pântanos profundos de tristeza patológica, à beira da depressão. Às vezes, das profundezas da Sombra Individual, à revelia da “função-de-ego”, sombrios arrependimentos emergem irreprimíveis e cinzentos, pesados.
Geralmente são momentâneos, e logo se afastam, como “insights” negativos que rapidamente emergem e rapidamente somem. Mas deixam pequenas “manchas” psíquicas e espirituais que teimam em permanecer num “indo e vindo” medianamente frequente, mas que perturbam bastante quando chegam e ficam durante pouco tempo. E vão, aos poucos, acumulando devagar e, aqui e acolá, costumam injetar perturbações mentais atribulantes e sorumbáticas, embora não muito frequentes.
E houve aquele período em que ele foi membro do Partido da Esquerda Democrática (PED) e da diretoria da União Brasileira de Escritores – Seção Potiguar: um ajuntamento de pequenos burgueses demagógicos que fingiam defender um estado-de-bem-estar que eles nunca aplicaram na prática. Pelo contrário: sempre foram caudatários de uma direita “mimética” que está sempre aplicando esquemas neo-liberais ou bastante assemelhados, em todo o Nordeste. (vampirinhos “de centro”). Uma horda de neo-simbolistas e escribas escatológicos, misturados com subsetores e sub-áreas de esquemas à direita de todos os tipos. (um romantismo renitente que se pretende neo-realista, mas termina sendo bem mais fantástico e mágico do que realista propriamente dito.)
Sinto-me aperriado e doentio quando penso naquelas reuniões às oito da noite, pra decidir sobre simulacros e factoides editoriais e midiáticos. Com as assombrações de velhos fantasmas burgueses do início do século 19, perambulando pelos antigos cabarés de Natal e João pessoa, entre flagelados e tuberculosos. Nem mesmo Javé salvaria a alma pantanosa e fedorenta desses vampiros e vampiras daquela nascente burguesia balzaquiana e “armorial”.
A praia preferida de Justino era Porto de Galinhas, em Pernambuco, embora ele preferisse passar a maior parte do seu tempo livre nas praias de Natal (sempre em praias com vida noturna). Paparicado, com um séquito e uma claque pronta para lamber-lhe os pés, ele circulava por todo o litoral nordestino como um pop-star, um burguês popular e badalado, curtindo as delícias de hotéis “cinco estrelas”.
Mas ele dizia que tudo isso tinha sido conseguido com a sua genialidade prosaica. E não com a adaptação aos ditames da elite intelectualóide nordestina: ARMORIAL E ACADÊMICA (estranha mistura, estranho conluio.)
Eu mesmo não arriscaria muitos mergulhos profundos nessas praias metafóricas, cheias de sargaços venenosos, redemoinhos e tubarões brancos. Um mar de piratas e príncipes tirânicos: todos sedentos para beber o sangue de quixotes desavisados. Com todos os brasões e armas assinaladas, de Pinzon a Tancredo.
Eu nunca disse que as “nóias” de Ju são mais pesadas que as minhas.
Sempre reconheci que as minhas “nóias” são bem mais purgatoriais que as de Justino Potiguar. Devo reconhecer. Admito.
Além do mais, o meu perfil mental é mais saturnino, uma espiral de redemoinhos para o lado de dentro (fractais brotando para o lado de dentro). Tem uma frequência maior de alternância entre opostos, e de clima cinzento também, embora não chegue a configurar uma patologia mental propriamente dita, ou seja: não há perda de consciência, não há saída do estado-de-vigília, não existe amnésia inconsciente. Tudo não passa de geleias quânticas labirínticas e nauseantes, onde labaferos sombrios costumam atropelar egos individuais inadvertidamente à beira de camisas-de-força contextuais, mas aterrorizantes o bastante pra despertar arrepios nos bastidores da corrente sanguínea do Sistema Nervoso Central.
Algo que, com toda sinceridade, não seria recomendável para garotos de 15 anos. Por mais inteligentes e espertos que sejam.
As aparições de Justinbo no meu Facebook eram rápidas e raras. Geralmente para anunciar algum evento literário ou cultural vinculado a homenagens à sua literatura. Mas nessa época já havia um certo distanciamento entre nós dois, por conta principalmente da relação “remosa” que havia entre o movimento cultural e a política no estado do Rio Grande do Norte e em todo o Nordeste, mas este era um imbróglio do qual ele nunca falava no Facebook. Ele preferia fazer elogios esparsos ao armorialismo e ao romantismo-realismo francês, espalhando textos ou entrevistas em jornais e revistas, incluindo os digitais. Os tropicalistas e “alternativos”, segundo ele, que cuidassem do seu próprio marketing, numa boa, cada um na sua.
Eu mesmo nunca me preocupei com as “esmolas” de publicidade que o Ju arranjava em diferentes veículos. Eu sabia que as minhas posições culturais e epistemológicas, diferentes das dele, nunca permitiriam uma maior aproximação entre nós dois, e o que nos aproximava um pouco era apenas o amor à literatura, essa grande dama doida, essa estranha deusa das entranhas rizomáticas e abissais.
Além do mais, eu sempre vivi a literatura como uma espécie de obrigação cármica, de missão a ser cumprida, e nunca alimentei a ilusão de ganhar dinheiro com o tipo de literatura que eu fazia. Era purgação pessoal mesmo. Quixotismo purgatorial.
Na velhice precoce, por conta dos excessos, Justino abusou do “fotoshop” na maioria das suas imagens usadas por sua equipe editorial em diferentes veículos de comunicação. E estava também cheio de dívidas, com mil e um agiotas no seu calcanhar, por conta de seus gastos com inúmeras putas de luxo, nas três Américas. E a esclerose não dava sinais de que iria recuar.
Aconteceu então uma decadência que se acentuou rapidamente. Inexoravelmente. E Ju não durou muito tempo. Toda sua estrutura orgânica desmoronou. Murchou. Sumiu. E sua morte foi anunciada nas três Américas, e até na Europa, principalmente na França, Espanha e Portugal. E eu pensei: “O Brasil não perdeu grande coisa. Nem sempre o mais famoso é o melhor.” Mas depois pensei que não devia ter pensado assim. E me arrependi de assim ter pensado. Apesar de saber que ele não valorizava minha literatura.
Outra obsessão de Ju eram as origens provençais da cantoria nordestina, além da transição do romantismo para o realismo na França, como já falei. Pra ele, as raízes mais fundas da cantoria sertaneja estariam nessa herança provençal que se espalhou para a Espanha e Portugal, e destes para o Nordeste do Brasil. Seria na herança musical desses rapsodos e aedos que os nordestinos deveriam procurar as mais remotas raízes da sua etnicidade e expressão cultural própria. Já o romantismo-realismo francês seria a contraparte intelectual, a parte pensante, o lado investigador das nuances existenciais e psicológicas da criatura humana em sentido geral.
O problema é que, a partir da segunda metade do século 20, inúmeras novas nuances comportamentais, subjetivas e políticas estavam emergindo e deixando obsoletos os limites culturais de muitos regionalismos fechados em si mesmos e de propostas literárias ancoradas em movimentos que tiveram seus auges na segunda metade do século 19 e início do século 20,como foi o caso do romantismo português e do realismo francês. Mas esse é um papo que eu irei abordando aos poucos em outros momentos de outras passagens deste romance egotista e malassombrado.
Ju subestimou o livro digital, ao qual não deu importância. Mas, nas proximidades de sua morte, as vendas de seus livros de papel já eram vendas bem abaixo do potencial antigo, do auge de sua glória. Os “tablets” já estavam disponibilizando livros em formato pocket com duzentas páginas por um preço de 7 ou 8 reais. Eu mesmo baixei muitos desses livros no meu “tablet”. E a maioria desses livros tinha um conteúdo bem diferente dos velhos “armorialismo medievalesco” e “romantismo-realismo francês”. Eis a dura e cruel realidade, a nova babilônia prosaica e poética do século 21.
Jovens doutores interessados em filosofia quântica e distribuição de renda. Fazendo entrelaçamentos quânticos e justiça sócio-ambiental. Rizomas cósmicos. Metanóias terrenas. Avanços marcianos. É outra trupe. Outra história. Outro Mundo. Outra dimensão. E eu mesmo nunca fiz catimbó ou magia negra contra o livro de papel. Minha luta sempre foi pelo barateamento de todos os tipos de livros, e pela ampliação do conhecimento. Mas cada contexto tem as suas limitações específicas. Seus detalhes milimétricos. Suas injunções fuderosas irreprimíveis.
Voltando pr’aquela história de herança provençal e surtos pós-modernosos de escárnios baianos da atualidade.
Cascas de bananas penduradas no telhado do escritório do grande advogado e poeta Gregório de Matos Lucifé da Cocada Preta com Pimenta Malagueta.
E também a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Doidos da Praça Guadalupe. Passando pela foz do rio Peixinhos outra vez: assando candungas no fogareiro e guisando siris com leite-de-coco pra comer com farinha “tropêra” e tanajuras
Mil e um aedos e rapsodos sob a mesma subnutrição pré-medieval das cruzes gamadas merovíngias e borborêmicas?? Caldeirões etruscos borbulhando no centro dos Bálcãs?? Incontáveis milharais roxos vicejando nas proximidades do rio Ipanema em 1695?? Violas e pifes no semi-árido do Arararipe?? Ou as armas assinaladas de Dom Sebastião e Malunginho??
Beatniks e hipsters paraibanos da década de 70. Escritores independentes da década de 80. Neo-punks da década de 90. Missas de vaqueiros redimensionadas. Peixeiradas no bucho do sargento Expedito na quermesse de Santa Bárbara em 1978. Coquistas e violeiros contando as moedas conseguidas no ônibus mais lotado do centro das cidades grandes. O cachê dos poetas alternativos desaparecendo rapidamente nos meandros intestinais dos senhores deputados e grandes empresários da cultura nordestina e pós-moderna.
PARTE 6
É preciso falar também dos detalhes técnicos de formatos, tamanhos, limites, bordas, parágrafos, costuras, sintaxe, estilos, simetrias, ritmos, sílabas, “acordes”, etc, etc. Tudo o que pode ser quantificável, mensurável: a parte mais importante do conhecimento ocidental.
Por exemplo: um ensaio com 19 páginas e meia, em linguagem coloquial, não será considerado um ensaio, se seguirmos as regras rígidas da ABNT & Cia, já que um ensaio deveria ter, no mínimo, 20 páginas convencionalmente caracterizadas, e não pode ser escrito, em nenhuma hipótese, com linguagem coloquial, mesmo que não inclua termos chulos.
ENTÃO É CAMISA-DE-FORÇA MESMO, pra não dizer “eliminação da concorrência”.
Tudo isso na parte especificamente técnica. As noções básicas da Beleza e da Técnica.
Porque a parte “comportamental e epistemológica” é um semicaos tão medonho e labiríntico, que talvez fosse melhor jogá-la pra debaixo dos tapetes persas ou empurrá-la com a barriga elástica de certos abdomens budistas.
Sei não. Tou muito inseguro mesmo. Falando sério. Principalmente quando vejo jovens com botões de Stalin ou Bolsonaro no peito. E a educação para a cidadania e expansão da consciência vão para o segundo plano, ou podem até mesmo serem descartadas em determinados momentos. Não é brincadeira.
Mas eu estava me desviando do foco principal naquela passagem específica da agiotagem. Eu não conseguia entender como um cara tão rico como Justino precisava apelar para empréstimos de agiotagem clandestina. Talvez os gastos com as putas de luxo, principalmente as polacas e francesas, incluindo mulatas “globelezas”, estivessem ultrapassando determinados limites na contabilidade de Justino Fialho. E tem o peso da velhice também. Mil e um detalhes transbordantes.
Gastos extras cada vez mais frequentes, com doenças típicas da terceira idade, e exigências cada vez mais exorbitantes das putinhas de 20 anos.
De tudo isso, Elanor fez vista grossa: bastava-lhe ter um macho provedor para dar conta dos dois filhos. A garantia de que sua herança genética teria uma boa poupança para o futuro. O harém de Justino, há muito tempo, já não interessava à vida de Elanor.
E havia o vício do pôquer também, nos cassinos mais badalados das três Américas. No auge da fama e da glória. Muita malandragem tupiniquim embaixo dos sovacos, e cartas evanescentes em outras mangas e paletós (muita “arte”). Parecia, às vezes, com um Hemingway, no auge, deslizando pelos principais “points” da Geração Perdida. (quase da estatura de um Garcia Lorca).
Tenho poucos detalhes da vida de Justino nos cabarés de Natal da década de 40, um pouco antes da primeira fama com o romance “Juazeiros eternos” (não tive disposição para pesquisar sobre isso). E um ano depois veio novamente uma grande vendagem com a semi-escatológica novela “O claustro sombrio do coronel Barbosão”, onde relata em pormenores existenciais a decadência lenta e cotidiana do referido coronel nas terras do antigo Cariri cearense. Outro livro dele que vendeu muito foi “Transviados do Mucuripe”, onde narrou as aventuras e desventuras de um grupo de artistas transgressores e jovens “transviados” de Fortaleza, na segunda metade da década de 60 e primeira metade da década de 70: um grupo que deixou influências seminais em toda a psicodelia Nordestina posterior, e até em grupos de pop-rock da década de 80.
Os detalhes sexuais, as passagens que narram o uso de substâncias pesadas e a posterior associação com o tráfico de drogas foram abordadas por Justino com um estilo seco e denso, semelhante ao de Graciliano, com um enredo “moderninho” e um estilo quase coloquial, mas bem costurado, que agradaram ao público jovem das capitais nordestinas na década de 70, e depois estes livros espalharam-se pelas três Américas, inclusive com algumas traduções na Espanha e na França.
Este terceiro romance de JU deixou a impressão de um oportunismo temático no início da década de 70, por conta de sua posição política “centrista” e de sua aproximação com o catolicismo “à direita”, enquanto fingia articulações com a esquerda católica e com a centro-esquerda escandinava. Na verdade, quando um artista consegue fama e dinheiro, ele torna-se “espiritualmente” burguês. Apega-se inevitavelmente.
E é bom não esquecer que Ju narrou muitos aspectos negativos da trajetória do grupo “Transviados do Mucuripe”. Privilegiou, na sua narrativa rocambolesca, a irresponsabilidade sexual, os excessos no uso de substâncias, desvios mentais e comportamentais de diferentes tipos. E até a associação com o tráfico de maconha e alucinógenos, que vinham do sertão para abastecer as capitais do Nordeste. A decadência horripilante de alguns viciadfos em drogas pesadas foi narrada também por Justino.
Sendo assim, até o próprio Ju levou alguma fama de transgressor artístico e “transformador social”, o que obviamente não era. O que ele fez foi um fingimento literário bem feito. Que pegou bem. E vendeu bem.
Por incrível que pareça, Justino tinha um trânsito razoável com o pessoal LGBT, apesar do seu perfil de machãozinho “casanova” nordestino. Até porque um ou outro pequeno estranhamento mútuo é normal. Faz parte das multiplicidades da vida. Acho que a poesia “salvou” Justino Fialho. Afinal, a poesia é fêmea. É espuma salgada caótica. Que reconhece e apoia a diversidade cósmica inteira. Com os seus dois lados primordiais: união mística de opostos, após o Big Bang.
No Big Crunch, toda multiplicidade retornará ao nada cósmico, ao útero primordial. E depois explodirá outra vez em incontáveis nuances diferentes do Uno Primordial.
O filão artístico da alma de Justino Potiguar ajudou-o a superar visões estreitas e totalitárias. A poesia também “salva”. E há caranguejos inteligentes e antenas digitais no sertão.
No céu cabe todas as estrelas. Com dinheiro ou sem dinheiro. Com fama ou sem fama.
E eu não estou a fim de ficar apenas abordando defeitos de Ju. Então seria bom que eu começasse a falar dos meus defeitos também.
Negócio seguinte: sou um bicho humano, e não um “pendráive”. Sou resultante do entrelaçamento de bipolaridades primordiais. Sou totalidade cósmica polimórfica depois do Big Bang. Nunca posei de santo, nem de guerrilheiro do corpo fechado. Nem de liderança anarquista “kamikaze”. Ou cirenaico pseudo-suicida, teorizando sobre “sistematização” do suicídio branco.
Qualquer faísca de qualquer um dos lados da minha moeda mental pode brotar, emergir, de repente. Ou do lado A ou lado B. Ou do pólo positivo ou do pólo negativo. E essa alternância é fundamental para sobreviver “darwinianamente” na Terra. Mas as dosagens variam conforme a força interior e o discernimento intuitivo. A dosagem certa na hora certa por um motivo justo.
Porém às vezes certos impulsos conseguem atropelar o “eu consciente”, por mais atentos e vigilantes que estejamos: é humano, se é eventual e raro, uma rara falha humana perdoável na maioria dos casos. Mas também há momentos em que é preciso botar a autodefesa pra funcionar contra os monstrinhos “darwinianos”. E até fazer uns ataques preventivos de surpresa, quando é realmente necessário.
Reconheço que sinto inveja do sucesso de Ju. MAS NÃO É UMA INVEJA PATOLÓGICA.
E as análises negativas de alguns aspectos da obra e da vida de Ju, que eu fiz em alguns momentos da hora da raiva, a meu ver são perdoáveis, e são verdadeiras na abordagem sintática, estilística ou ideológica. E era preciso ter coragem pra falar a verdade. Era preciso questionar a unanimidade superficial que girava em torno dele. É preciso desmitificar os escritores, principalmente os canônicos. Uma intensa necessidade de se justificar.
Lembro de muitos fatos da vida e trajetória de Justino. Tanto dos “causos” que eu testemunhei como dos que ouvi falar, ou que vazaram na mídia. Alguns bizarros. Outros tétricos. Outros que deixaram dúvidas. ETC.
Por exemplo: Ju frequentava somente os restaurantes da classe média e burguesia. Diferentemente de muitos intelectuais de esquerda e escritores “alternativos”, que costumavam frequentar “pega-bebos” para comer sopas, no jantar, ou “prato-feito” no almoço, enquanto bebericavam alguma cachacinha tridestilada, devagar. E engatavam papos-cabeça com artistas transgressores, neo-hippies e matutos aloprados que gostavam de afoxés, emboladas e cordéis.
Ju mantinha uma certa distância desses lugares e desses tipos “transviados”.
No máximo observava-os de perto, como um antropólogo com uma luneta, um ou felino cercando uma presa. Na verdade, eram raros os diálogos com a “marginália”. A maior parte dos que se consideravam “canônicos”, de uma forma ou de outra, fossem armoriais ou acadêmicos, costumavam manter uma certa distância dos “amadores”, aventureiros, boêmios, preguiçosos, “charlatães”, quixotescos, pobretões, semi-loucos, etc, etc. Uma seleção “cognitiva”, mas também açucareira.
Encontrei-me com ele, uma certa vez, no restaurante Buraco da Gia, em Goiana, Pernambuco (mata norte), durante um Festival de Cultura e Artes onde ele seria homenageado pelo governo do estado, principalmente pela sua impagável contribuição à sistematização teórica armorialista e aos detalhamentos filosóficos e antropológicos da identidade étnica nordestina e regionalista (a panóplia dos barões e sátrapas assinalados no semi-árido da Gôta Serena e da Besta Fera). O ano era 1986.
Eram quase duas da tarde, e ele já estava bastante “quente”. Sua palestra aconteceria às 3 da tarde no auditório principal do evento, com toda a pompa, e um cachê de 5 mil reais. Nessa época eu trabalhava como datilógrafo na Fundação de Cultura do Município de João Pessoa (FCMJP). E aproveitei pra vender um livro-de-bolso, uma pequena miscelânea, de minha autoria, durante o final de semana no Festival.
Bom, o fato é o seguinte: por um motivo qualquer, ele, JU, desentendeu-se gravemente com um professor do curso de Serviço Social, da Universidade Federal da Paraíba, que supostamente acusou o grande bardo Potiguar de “conluios sutis” com alguns conservadores e misoneístas do “centrismo à direita” em todo o Nordeste. E que até o próprio Dom Hélder teria muita desconfiança da verdadeira posição ideológica de Justino Fialho. E que o ecumenismo progressista de Ju era um mero disfarce para esconder misoneísmos culturais e reacionarismos políticos. Assim dizia o professor. (eu estava na mesa ao lado, e escutei tudo.)
Ju, que já estava bebão, perdeu o juízo. Pegou o professor pela beca, deu-lhe dois tapas na cara, e jogou-o em cima do balcão do restaurante. O professor estatelou-se no balcão, desequilibrou-se e depois caiu embolando no meio das mesas. Foi justamente neste momento que um guarda municipal segurou JU pelas costas, e o imobilizou com um golpe de judô. Alguém lembrou que eram 3 da tarde, o horário da palestra de Ju. Então deram-lhe um banho frio; depois fizeram-no engolir dois ansiolíticos e um tubo de guaraná do amazonas em extrato líquido, e levaram-no para a palestra, onde fez muito sucesso com um palavreado bonito sobre herança regionalista e provençal. (as espadas e os escudos da aristocracia provençal e sertaneja.)
Quanto ao referido professor, foi levado pela Guarda Municipal para a sua residência no centro de João Pessoa, antes de passar por uma farmácia e fazer curativos em alguns arranhões.
De outra feita, num evento literário em Fortaleza, em meados da década de 90, eu fui incluído na programação como poeta declamador e como debatedor numa mesa sobre o tema Literatura Periférica e Contracultura. (onde vendi alguns livros de bolso, da minha autoria, durante os quatro dias do evento, entre os frequentadores da quermesse, no “mano a mano”, abordando e convencendo a comprar.)
Aproveitei dez dias de férias, e fui. Mas fui desarmado.
Não lembro exatamente o ano, mas foi naquela fase do bate-boca entre Fred Zero Quatro e Ariano Suassuna, por conta de resquícios da guerrinha entre armoriais e tropicalistas, desde o final da década de 60, e a nova guerra entre “psicodélicos” e “matutistas”, a partir da segunda metade da década de 90.
O evento começaria com a abertura na quarta-feira, onde os poderosos do estado do Ceará fariam seus discursos e “pantomimas” políticas.
Da quinta ao domingo aconteceria a programação propriamente dita, bastante variada, quase multicultural.
Fiquei alojado num quitinete com dois beliches, por conta da prefeitura de Fortaleza, onde quatro artistas “mambembes”, incluindo eu, ficamos espremidos até o final do evento, e fazíamos nossas refeições num self-service de um centro de convenções, reservado pela prefeitura para as refeições dos artistas convidados. Justino chegaria de avião, vindo de São Paulo, onde estava finalizando detalhes de negócios editoriais, onde sempre havia sonegação de impostos na cadeia produtiva do livro, e majoração do preço final.
E este foi um evento onde aconteceram vários entreveros entre debatedores, inclusive no debate do qual participei, e no de Justino também, que tinha como tema “Armorialismo, música clássica e xilogravura”. Aconteceram também várias brigas entre populares que frequentaram o evento. Inclusive houve várias falhas na produção e organização do evento, o que contribuiu para aumentar o nervosismo das egolombras artísticas e políticas. Enfim: aquele foi um evento onde se espalhou um clima de estranhamentos mútuos, e agressividades eventuais decorrentes de um alto uso de álcool e “otras cositas más”.
No debate sobre “Panóplias e Brasões Armoriais”, por exemplo, e também em outros debates, houve vários bate-bocas, e acertos de contas posteriores nos barzinhos do entorno do evento. Lembro de dois temas cujas discussões foram bastante inflamadas: “Literatura Marginal no Nordeste” e “Literatura Mística Psicodélica.”
Depois a guerrinha continuava nos puteiros e pega-bêbos do centro da cidade, até as quatro da manhã. E devemos sempre agradecer à Divina Providência o fato milagroso dessas “guerrinhas” nunca chegarem ao nível físico, e ficarem apenas no campo verbal, por mais pesada que seja a oratória dos sofistas tectônicos e fingidores invocados. No meio de todos os detalhes das relações de poder atravessando a garganta do Mundo
EU, HEIN??
Depois veio um superdoutor histérico qualquer me atanazar o juízo, que eu não lembro quem era, nem de onde era, e começa a me ameaçar por um motivo fútil qualquer, e eu já estava com seis doses de conhaque e um “beque” fuderoso nos pulmões, mas consegui botar o autocontrole pra funcionar, e fui saindo de fininho, fingindo que não era comigo. (isso aconteceu nos fundos do auditório, onde tava rolando um “fuzuê” epistemológico paralelo ao debate oficial.)
Eu já estava meio zonzo. Saí do auditório e fui pra uma lanchonete do outro lado da pista.
De outra vez, em Terezina, no Piauí, numa feira de livros estadual e festival de artes, eu estava novamente como poeta declamador, com um cachê miserável, e vendendo livretos da minha autoria, no mano-a-mano, como sempre fiz, naqueles tempos “ancestrais”. Ele já era uma estrela literária. Um popstar da literatura. E o seu terceiro livro estava vendendo mais do que o primeiro.
Como sempre, ele fazia a palestra de encerramento dos festivais, com muita pompa, enquanto seu agente literário cuidava da contabilidade e dos detalhes administrativos com os livreiros, editores e lojistas. Mas eu realmente não estava muito preocupado com as pompas de Justino. Vendi uns oitenta livros durante o festival, e a prefeitura de Terezina garantiu o mísero cachê dos poetas, as passagens de ônibus, a estadia, a comida e o remédio pra gripe e dor-de-cabeça. O conhaque e as outras “coisitas” ficaram por minha conta, é claro.
Entretanto, a vida tem os seus azares, alternando com uns poucos momentos de sorte. Ela é assim mesmo. É o seu soft “cristalizado”.
Estava eu, já no finalzinho do festival, depois da palestra bombada de Ju, fumando um baseado atrás de umas árvores do parque onde aconteceu o evento, antes da chegada do ônibus Terezina-Recife, quando um guarda municipal apareceu de repente na minha frente. E, num gesto repentino, arrancou-me o baseado da boca. Se não me falha a memória, o ano era 1987. Outubro.
Os guardas municipais de Terezina trabalhavam apenas com um pequeno cassetete, sem armas de fogo, mas costumavam ser extremamente violentos, com uma certa frequência. Mas imaginem o tamanho da minha surpresa quando ele começou a fumar a baga e disse assim: “Negócio seguinte, seu doido, me dê cem reais, e vá para o seu ônibus calado, e não olhe pra trás”.
Dei os cem reais, e comecei a caminhar na direção do ônibus, enquanto ele terminava de fumar a grande baga daquela “manga-rosa”. Com certeza ficou muito DOIDO. Era um domingo à tarde em Terezina.
Por sinal, uma bela tarde de domingo: com nuvens marrons misturadas com raios roxos de sol, sem sinal de chuva, e outros mistérios cósmicos atravessando o cenário, e o vento balançando as folhas dos coqueiros do parque. Então esqueci o guarda e me aproximei do ônibus, pra constatar que, ao redor, estava acontecendo uma “briga”, uma grande confusão, um monte de gente ao redor do ônibus, esculhambando e ameaçando uns aos outros, na hora que um camburão da PM chegou.
Justino estava bêbado, mais uma vez, e muito nervoso e agressivo. Isto aconteceu logo depois da palestra dele, onde houve um “barraco” entre ele e um poeta paraibano vinculado ao Movimento da Esquerda Poética Libertária (MEPOL), de João Pessoa.
Meio de longe, eu avistei quando o referido poeta deu dois tapas na cara de Ju, e empurrou ele para o lado do ônibus, que caiu desequilibrado em cima do motorista. Foi justamente nesse momento que um policial segurou o poeta paraibano pela gola da camisa, e arrastou o dito cujo pra dentro do camburão. E Ju foi levado pelo pessoal da Secretaria Estadual de Cultura, que o “arrastou” pra longe dali.
O problema agora era tirar o dito poetinha paraibano de dentro do camburão. Aí a merda fedeu mesmo. Pegou fogo na caixa d’água.
Vi apenas alguns cassetetes zunindo no ar, em meio a gritos de dor, e corri pra debaixo de uma marquise no final da rua, onde esperei o buruçu diminuir, e a poeira começar a baixar.
Quando a turba “contracultural” enfurecida conseguiu tirar o dito poetinha paraibano de dentro do camburão, ele começou a vomitar. Uma bílis gosmenta e verdosa. Fedorenta. E aí todo mundo parou ao redor dele, inclusive os milicos, enquanto o pobre poeta se contorcia em vômitos estrambólicos. Nessa hora a “briga” terminou. O buruçu esfriou. E o poetinha caiu no chão em estado de coma. APAGOU.
Rapidamente chegou a ambulância do plantão de urgências do Sanatório Municipal e levou o dito poetinha desacordado. E tudo voltou ao “normal”. Os milicos foram embora, mas o ônibus Terezina-Recife atrasou duas horas.
No outro dia, os jornais de todo o Nordeste noticiaram que, após medicação apropriada, o jovem e desvairado poeta já estava na casa dos pais, em repouso, e recuperado.
Pelo que eu apurei, o motivo do “barraco”, na palestra de encerramento do festival, foi um detalhe da antiga controvérsia sanguinária entre “psicodélicos” paraibanos e “caipiristas” potiguares. Um sério estranhamento mútuo que, desde meados da década de 60, vinha acumulando vários momentos de bate-bocas inflamados e brigas-de-bar entre muitos intelectuais e artistas da terra Brasilis, mormente entre as cidades de Natal, João Pessoa e Recife, incluindo a região do Mucuripe, no Ceará, e a área metropolitana de Maceió, passando pelo Bodocongó e a Serra da Borborema.
O detalhe era o seguinte: é aquela mesma história da polêmica em torno da música “Xote dos cabeludos”, do Luís Lua.
Num certo sentido, é semelhante ao “bate-boca” entre Ariano e Fred 04, na década de 90.
Alternativos contra neoclássicos.
Pós-modernos flexíveis contra caipiristas estreitos.
Neo-engajados contra conformistas e cooptados.
Esse velho entrevero ainda vai dar muito pano pra mangas. E agora temos o crescimento do cristianismo fundamentalista e pentecostal, pra botar ainda mais lenha nessa fogueira. Quer dizer: agora é fogo duplo contra os “psicodélicos” e “transgressores” em geral.
Novamente “hipsters” e “beatniks” contra bispos, pastores, misoneístas e
“centristas à direita”. E eu estou velho e cansado. Sinceramente: CANSEI.
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